‘Stranger Things’: ótima fantasia para esquecer ‘coisas estranhas’ da realidade | Levando a Série | F5 News - Sergipe Atualizado

‘Stranger Things’: ótima fantasia para esquecer ‘coisas estranhas’ da realidade
Elenco afiado, muita ação e nostalgia dos anos 80 são alguns ingredientes do grande sucesso
Blogs e Colunas | Levando a Série 18/06/2021 17h00 - Atualizado em 18/06/2021 17h07

No início dos anos 60, a Decca Records rejeitou os Beatles. Os executivos da gravadora alegaram que "os grupos de guitarras estão em declínio" e que, portanto, aqueles jovens ingleses não teriam futuro. Guardadas as devidas proporções, me lembrei dessa história quando descobri que a ideia da série Stranger Things (Coisas Estranhas) foi apresentada a pelo menos 15 estúdios por seus autores, os irmãos Duffers, e recusada por todos, conforme os gêmeos Matt e Ross narraram em 2016 à revista Rolling Stone. 

Houve até interesse de algumas empresas pela história, mas sem permitir que os irmãos dirigissem o projeto – o que não interessava a eles. A maior parte dos estúdios, porém, se mostrou imediatamente refratária a uma série de ficção científica e terror cujos personagens principais eram crianças. Sorte da Netflix, que comprou a ideia e, desde o lançamento de Stranger Things, em 2016, só contabiliza mais sucesso. Em 2019, lançou nos Estados Unidos a terceira temporada no feriado de 4 de julho – o Dia da Independência. Recorde de audiência, 17% superior à estreia da segunda temporada, conforme o serviço especializado Nielsen, que declarou na ocasião: “é a série original da Netflix mais assistida que já analisamos”.

Mas por que Stranger Things despertou e mantém tamanho arrebatamento? Admito certa relutância em assistir tão logo lançada a série, pela impressão inicial de que talvez eu já tivesse passado da idade de me divertir com monstros sendo combatidos, nesse caso por pré-adolescentes. Felizmente, verifiquei que tal universo fantasioso ainda me encanta, bastou uma junção de fatores que funciona muitíssimo, o principal, a meu ver, é também o mais básico: a trama seduz desde o início e só melhora. 

Tudo acontece na fictícia cidade de Hawkins, no estado norte-americano de Indiana. Quatro garotos de uns 12 anos, amigos de fé, estão em 1983, vivendo suas rotinas de brincadeiras e zoação mútua, quando um membro do quarteto – Will Byers – some sem deixar qualquer vestígio. Ele é filho de Joyce Byers, viúva brilhantemente interpretada por Winona Ryder, atriz que admiro desde a adolescente gótica em “Beetlejuice”, de 1988, um dos primeiros filmes de sucesso do diretor Tim Burton, exibido no Brasil como “Os fantasmas se divertem”. Em 1990, ambos se unem novamente num trabalho que amo de paixão: “Edward Mãos de Tesoura”. 

Winona Ryder atuar em Strange Things foi decisivo para eu resolver assistir à série, ainda que de nariz torcido, a princípio. Durou pouco minha resistência. Winona confere uma especial ferocidade à personagem Joyce na busca pelo filho sumido, ao ponto de cogitar hipóteses racionalmente impossíveis, dando corda a um rótulo compreensível de instabilidade emocional. Mas a aguerrida mãe consegue mostrar ao amigo Jim Hopper (David Harbour), xerife da cidade, que por lá se desenrolavam eventos inexplicáveis de fato. A sociedade de Hawkins já lidava com teorias diversas, amparadas em supostas experiências ultrassecretas praticadas na localidade pelo governo norte-americano. Mas foi o desaparecimento do garoto Will que abriu as portas do inferno – literalmente, pode-se afirmar. 

Creio que a ninguém surpreendeu a já notória competência de Winona Ryder em Stranger Things. O impressionante mesmo foi a capacidade dos protagonistas mirins – outro ponto crucial a justificar o sucesso da série, cujo enredo se opera, em grande parte da primeira temporada, sob a perspectiva dos garotos Mike (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo) e Lucas (Caleb McLaughlin), embarcados na missão de encontrar o amigo desaparecido, Will (Noah Schnapp). 

Em circunstâncias insólitas, ao trio de meninos se agrega uma misteriosa menina, dotada de poderes telecinéticos e conhecida apenas como Eleven. A jovem atriz que a interpreta - Millie Bobby Brown – aprimora o show do elenco mirim, caracterizado não apenas pelo talento em comum, mas também pela ótima química evidente entre todos. 

Esse grupo do elenco central vai crescendo ao longo das três temporadas e descortina os perigos sobrenaturais que pairam sobre a cidade, num trabalho investigativo de “gente grande”, repleto de coragem e de eventuais transgressões às regras e até às leis. Porém, embora alicerçada num elenco juvenil, Stranger Things não se trata de uma série para crianças. Há cenas assustadoras, nas lutas entre monstros e pessoas e, mais próximo do mundo real, na violência entre humanos. Destaque-se que a classificação etária da Netflix para a atração é de 16 anos, embora tenha gente que nem se ocupe em verificar esse dado e prefira sair cuspindo fogo. 

A tensão gerada pelo suspense é constante e operada com excelência. Como já afirmei aqui em várias ocasiões, perversidade no campo ficcional me diverte; a tristeza se dirige à rotineira, da vida real. Os irmãos Duffers, criadores de Stranger Things, fazem uma direção primorosa, assim como o são a cenografia e os efeitos especiais. Sou fascinada pelo visual da dimensão paralela cujos impactos danosos a cidade passa a sentir em escala crescente – “The Upside Down”, o Mundo Invertido, na versão em português. E alguns dos monstros conseguem se sobressair em meio aos já apresentados por décadas, no cinema e na TV, nem tanto pela estética, mas pelo entorno e circunstâncias bem elaboradas de suas aparições. Tarefa difícil, convenhamos, de resultados exitosos.  

A ambientação de Stranger Things na década de 1980 também se mostrou um ingrediente sedutor para os adultos. Há profusão de referências ao período, desde o penteado da “pantera” Farrah Fawcett até o uso rotineiro de rádio amador e walkie talkies. Um crítico conceituou a série como “uma carta de amor aos onipresentes clássicos cult dos anos 80”.

Vamos a algumas informações adicionais sobre o fenômeno Stranger Things, num arco amplo, do divertido ao evolutivo. A fonte da logomarca da série gerou tal frisson que, numa rápida busca, se constata a quantidade de internautas ansiosos por identificá-la e, ainda, sites cujo propósito é reproduzi-la ao bel prazer do interessado. Lógico que fui brincar em uma das opções – o Make It Stranger - como você confere ao lado.

Em outubro de 2019, dois dias depois da estreia da segunda temporada de Stranger Things no Brasil, o portal Metrópoles noticiava a crítica negativa pulverizada nas redes sociais quanto à mudança feita pela Netflix na tradução/dublagem da série. O cerne da queixa foi chamarem a personagem Eleven de “Onze”, num acinte à convenção segundo a qual nomes próprios não devem ser traduzidos. 

O ator Gaten Matarazzo, que faz o Dustin, sofre de displasia cleidocraniana, uma síndrome genética rara, que interfere principalmente no desenvolvimento ósseo e na dentição, razão pela qual seu personagem aparece sem os dentes da frente na primeira temporada da série. O portal Healthline registrou o efeito benéfico da clareza com que Gaten Matarazzo expõe sua situação, numa reportagem sob o título “Como ator de Stranger Things colocou um holofote positivo sobre uma doença rara”. E lembra uma cena emblemática logo no início da série, quando Dustin rechaça colegas de classe que o estão provocando: “Eu disse a vocês um milhão de vezes que meus dentes estão aparecendo. Isso é chamado de displasia cleidocraniana”, afirma o personagem. 

Ainda conforme o portal médico Healthline, a displasia cleidocraniana, também conhecida como CCD, afeta cerca de uma a cada um milhão de pessoas em todo o mundo. Mesmo de ocorrência tão incomum, achei lindo a produção contemplar o que, na prática, se transforma em conhecimento e maior chance de inclusão social dos acometidos pela síndrome.

As “coisas estranhas” que nomeiam à série pertencem ao mundo da fantasia, mas a realidade contemporânea seguramente anda a requisitar mais sensatez e racionalidade, razão pela qual adorei me distrair com as agruras vividas pela cidade de Hawkins. Por fim, deixo à reflexão a sábia dica da romancista e poeta Lya Luft: “Vamos nos acostumar a viver na estranheza, na esquisitice, protegendo-nos como podemos de atos, fatos e idéias bizzaros”.

Para maratonar:

Stranger Things – três temporadas, total de 25 episódios, disponível na Netflix que, obviamente, já confirmou a quarta. 

PS – Confira outras séries do universo fantasioso já recomendadas aqui: Twilight Zone (Além da Imaginação), acompanhada de Black Mirror (Espelho Negro); Onisciente e Cidade Invisível, duas ótimas pedidas nacionais. 

 

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