‘Locke & Key’ e ‘A Roda do Tempo’: a fantasia e seus lucros levados muito a sério | Levando a Série | F5 News - Sergipe Atualizado

‘Locke & Key’ e ‘A Roda do Tempo’: a fantasia e seus lucros levados muito a sério
Sucessos na Netflix e no Prime Video, respectivamente, atestam o vigor do gênero
Blogs e Colunas | Levando a Série 05/12/2021 15h00 - Atualizado em 05/12/2021 15h14

A fantasia continua encantando o público e proporciona recordes de audiência, pelo que se viu na estreia de The Wheels of Time (A Roda do Tempo) em novembro passado, a série de maior sucesso da Amazon Prime Video neste ano em diversos países. Vou falar só um pouquinho dela mais adiante, porque pretendo me aprofundar apenas quando terminar a primeira temporada, já que os episódios são lançados semanalmente.

O universo das comics – em bom português, as histórias em quadrinhos – tem amparado essa opção estratégica fortemente. Ele ganhou a telona há décadas, especialmente pelos pés ou asas ou nadadeiras de super-heróis das maiores concorrentes do ramo, Marvel e DC. Desde o advento do streaming, porém, se verifica um movimento contínuo de adaptações das HQs principalmente para a telinha. Dois ótimos exemplos estão na coluna que recomenda Lucifer e The Preacher (O Pregador).

A Netflix operou mais uma dessas transições de plataforma na série Locke & Key, um trocadilho com “lock” (fechadura) e “key” (chave), de modo a incluir o sobrenome da família que vive um emaranhado de aventuras mágicas e enigmáticas, nem todas agradáveis: os Locke. A história é baseada nos quadrinhos de título homônimo lançados em 2008 pelo escritor Joe Hill e pelo artista Gabriel Rodriguez.

Para quem aprecia um enredo de pura fantasia, com toques de terror e suspense, Locke & Key é diversão garantida. Muito no início, até cogitei se tratar de um bom programa para assistir em família, com crianças, mas a indicação etária de 14 anos rapidamente se mostrou correta. Esse entendimento ficou claro pela circunstância dolorosa e inesperada que gera todos os eventos subsequentes: o assassinato do patriarca Locke, o professor Rendell (Bill Heck), que aparece em eventuais flashbacks. A viúva, Nina (Darby Stanchfield), decide que uma mudança de ares seria positiva para os três filhos do casal, agora órfãos de pai: os adolescentes Tyler (Connor Jessup) e Kinsey (Emilia Jones) e o caçula, garoto de uns doze anos cujo nome é estranhíssimo para quem fala português: Bode (Jackson Robert Scott).

Assim, Nina e a prole destroçada pelo trauma se transferem de Seattle, em Washington, para a cidade ficcional de Matheson, em Massachusetts. O objetivo é ocupar o lar onde crescera o saudoso pai e marido: uma mansão gótica ancestral da família dele, sugestivamente conhecida como Keyhouse. Devia ser um tanto suspeito que o patriarca nunca tivesse voltado lá e, pior, jamais fizesse qualquer comentário sobre passagens da infância e da adolescência vividas naquele imóvel imenso. Tampouco seu irmão mais novo, Duncan (Aaron Ashmore), que vai receber a família e posteriormente se impõe como personagem fundamental. Mas a gente sabe que ficções tendem a perverter a lógica, em grau amplificado quando se inserem num território absolutamente fantasioso, o caso em questão.

Os adolescentes Tyler e Kinsey transitam entre a raiva e a angústia pelas circunstâncias da morte do pai, enquanto Bode parece se adaptar melhor ao novo cotidiano. Eles vão descobrindo que a Keyhouse guarda chaves antigas, cujos poderes mágicos os distraem momentaneamente do choque e do sofrimento. Há a "Anywhere Key" (Chave de Qualquer Lugar), por exemplo. Colocada em qualquer porta, ela permite que seu usuário, ao atravessá-la, surja no lugar do mundo em que estiver pensando, desde que tenha visto a porta de destino em algum momento da vida.

A "Head Key" (Chave da Cabeça) transforma a mente de quem a usa num lugar físico, por onde o interessado passeia de forma a rever as próprias memórias, incluindo seus medos. Em algumas - caso desta - surge magicamente uma fechadura no corpo da pessoa, que desaparece tão logo retirada a chave.

A família Locke tem toda uma história com esses artefatos, o que seus membros mais jovens vão descobrindo aos poucos. Os filhos de Rendell são capazes de ouvir os sussurros das chaves mágicas, um chamado a facilitar que as encontrem num imóvel não só colossal, mas também entulhado com os pertences de várias gerações. O trio acumula habilidades sobrenaturais e vai usar todas elas ao longo das duas temporadas da série, cuja continuidade já foi inclusive gravada.

Até aqui ficamos na magia, entretanto o terror também permeia o enredo, pelo enfrentamento a um ser demoníaco, autonomeado Dodge em sua personificação feminina, tão letal quanto bela na pele da atriz Laysla de Oliveira, canadense de ascendência brasileira. A vilã pretende se apossar das chaves sobrenaturais, forjadas num metal de outro mundo, descoberto por ancestrais Locke que viriam a inaugurar a função de guardiões dos artefatos. Impedir que o resto dos seres de origem incerta, porém obviamente maléficos, consiga acesso ao lar da espécie humana é a tarefa que agora precisa ser cumprida pela nova geração da família. Nesse aspecto, lembra um pouco as batalhas de Stranger Things

Locke & Key aborda por tabela os percalços da adolescência, no cenário da nova escola dos jovens, onde fazem amizades que os auxiliam na defesa contra os demônios à espreita. E onde também encaram gente mal resolvida, infelizmente na rotina dos humanos, dentro da ficção e fora dela. A série entrega entretenimento puro e simples, um mergulho bem-vindo para além da realidade, emoldurado por uma fotografia que, por si só, já me valeu a pena.

Passando à segunda sugestão, outra vez um enredo altamente fantasioso se desenrola em cenários espetaculares, na aposta de peso da Amazon Prime Video: The Wheel of Time (A Roda do Tempo). A série estreou em novembro, com os três primeiros episódios disponibilizados juntos. Os subsequentes vêm sendo liberados um por semana, nas sextas-feiras, até o próximo dia 24, término da primeira temporada.

Enquanto escrevo estas linhas, vi os cinco disponíveis. E gostei bastante. A associação com "Game of Thrones" foi imediata, mas limitada ao plano geral. A Roda do Tempo mostra homens espadaúdos que lutam com espadas (desculpem, não resisti), mulheres conhecedoras de poderes mágicos, um exército de criaturas monstruosas - os trollocs -, para citar apenas alguns elementos que me remeteram ao megassucesso da HBO. A afinidade se expressa ainda pelo ambiente de colorido medieval, comum a ambas as séries, mas a rigor as histórias são muito diferentes.

Peço licença para uma digressão. Já me perguntaram por que eu nunca abordei “Game of Thrones” à altura de sua importância. De fato, só fiz aqui menções ocasionais e ligeiras a essa série que me fascinou ao ponto de eu devorar os cinco livros do escritor George R. R. Martin nos quais a produção televisiva se baseou – As Crônicas de Gelo e Fogo – com exceção da oitava e última temporada.  Porém, justamente o encaminhamento sofrível da HBO para tão esperado desfecho – reforço, sem conexão com a saga literária – foi patético em tamanha proporção que aniquilou os muitos méritos da história até ali.  

Situado em um mundo de fantasia épico, A Roda do Tempo acompanha a protagonista Moiraine, uma espécie de maga interpretada pela talentosíssima Rosamund Pike. Ela é membro de uma organização feminina incrivelmente poderosa chamada Aes Sedai e, a partir do vilarejo de Two Rivers, conduz uma fascinante jornada com cinco jovens aldeões. Um ou uma do quinteto, segundo foi profetizado, é o Dragão Renascido, figura de poderes sobrenaturais com capacidade para salvar ou destruir a humanidade.

A missão de Moiraine, na prática, tem simplesmente o fito de evitar o apocalipse, conduzindo o Dragão a salvar o mundo, em vez de destruí-lo. A maga conta com a prestimosa ajuda de seu guardião – cada Aes Sedai tem um –,  Lan Mandragoran. O personagem coube a um “pedaço de mau caminho” de ascendência coreana, o premiado ator Daniel Henney, nascido nos EUA. Em uma cena, eles conversam numa banheira, ambos nus, e eu pensei direto: “vão transar”, embebida pelo estilo "Game of Thrones". Não aconteceu. Os guardiões das Aes Sedai têm com a respectiva protegida um vínculo poderoso, mas pelo jeito ele transcende os prazeres da carne. Ao contrário da série da HBO, onde sexo se mostra ingrediente básico. Nada contra, lá ficou ótimo, mas é interessante ver que A Roda do Tempo resolveu não seguir uma fórmula ao menos nesse quesito, por enquanto.

Também como “Game of Thrones”, A Roda do Tempo é inspirada numa saga literária de fantasia, homônima, que virou best-seller mundial, esta com 14 livros, o primeiro lançado em 1990. Seu autor, James Oliver Rigney, Jr, a assina como Robert Jordan e faleceu em 2007. Deixou uma bela história cuja adaptação tem me agradado muito assistir, mais um motivo para esperar a chegada das sextas-feiras.

Voltarei a ela quando tiver mais subsídios e me despeço deixando à reflexão pensamento do escritor e poeta Affonso Romano de Santana, meu conterrâneo de BH: “Arte e vida se misturam. Fantasia e realidade se acrescentam”.

Para maratonar:

Locke & Key – duas temporadas, total de 20 episódios, disponível na Netflix;

The Wheel of Time (A Roda do Tempo) – cinco episódios disponíveis na Amazon Prime Video, os seguintes liberados um a cada sexta-feira, até o próximo dia 24.

 

 

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