O peso e a leveza da realização | Amanda Neuman | F5 News - Sergipe Atualizado

O peso e a leveza da realização
Blogs e Colunas | Amanda Neuman 02/03/2025  17h22 - Atualizado em 02/03/2025  17h30

Cinco anos cabem em muita coisa. O tempo de uma graduação, de um ciclo inteiro do ensino fundamental. O tempo que leva para uma criança sair do colo e começar a escrever as primeiras palavras. Cinco invernos e cinco verões. Cinco aniversários cantados, cinco velas sopradas.

Cinco anos foi o tempo que levei para ser chamada de doutora. Mas cinco anos atrás, tudo o que eu queria era ser chamada de mãe.

Minha filha tinha quatro meses quando comecei o doutorado. Só quatro meses. Pequena demais para segurar qualquer coisa além do meu dedo, mas grande o suficiente para segurar o meu mundo inteiro. Eu me lembro da mistura de emoções quando vi meu nome na lista de aprovados: alegria, medo, culpa, excitação. Aceitei. Talvez mais por impulso do que por certeza. Tinha que ser naquela hora.

Nos primeiros meses, a pesquisa e a maternidade se misturaram de um jeito que eu jamais imaginei. Enquanto lia artigos sobre metodologias, embalava minha filha no colo. Fazia anotações enquanto ela dormia no meu peito, a caneta deslizando com cuidado para não acordá-la. Escrevia textos entre uma mamada e outra. O silêncio necessário para pensar era interrompido por choros e gritinhos de bebê.

O tempo foi passando, e eu me tornei uma equilibrista. O berço de um lado, a pilha de livros do outro. Os brinquedos espalhados pela casa conviviam com rascunhos de capítulos. Eu costumava brincar que minha filha estava crescendo junto com a tese, mas, olhando para trás, vejo que éramos três crescendo juntas: ela, a pesquisa e eu.

Houve dias difíceis. Dias de febre que tornavam qualquer prazo acadêmico insignificante. Dias em que a exaustão era tão grande que as palavras no computador pareciam se embaralhar sozinhas. Dias de lutar contra a culpa de achar que eu não estava sendo mãe o suficiente, nem estudante o suficiente. Mas também houve dias bons. Dias em que eu fechava um capítulo e comemorava como quem risca um dia no calendário de uma contagem regressiva. Dias em que minha filha, já maiorzinha, se sentava ao meu lado com seus lápis de cor e dizia que também estava “escrevendo um trabalho muito importante”.

E então, chegou o dia da defesa. Minha filha já não é um bebê. Enquanto eu me preparava, ela me olhou com curiosidade e disse: “Mamãe, ser doutora é como ganhar um troféu?”.

Não sei se um diploma é um troféu, mas, para mim, tem o peso de um. Quando terminei minha apresentação, quando ouvi o “parabéns, doutora”, quando fechei os olhos e soltei o ar, o que senti foi leveza.

De fato, esse diploma não carrega só meu nome. Carrega também o nome dela. Porque foi ela que me viu estudar enquanto cozinhava o almoço. Me viu exausta, mas continuar. Me viu duvidar, mas tentar de novo. Me viu abrir mão de muita coisa, mas nunca abrir mão de mim mesma.

Se eu pudesse dizer algo para outras mães que sentem que não dá, que pensam que os sonhos ficaram para trás, que acham que precisam esperar os filhos crescerem para depois viverem algo por si mesmas, eu diria: não esperem. Não é fácil. Nunca foi. Mas algumas vitórias têm gosto de conquista justamente porque foram construídas entre noites mal dormidas e manhãs corridas, entre um colo dado e um artigo revisado.

Hoje, meu diploma pesa nas mãos. Mas me deixa mais leve. Porque sei que, um dia, quando minha filha sonhar os próprios sonhos, ela vai saber que é possível pra ela como foi para a mamãe. 

E você também pode.

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Amanda Neuman

Jornalista (UNIT) há 10 anos, mestra em Comunicação (UFS), doutoranda em Sociologia (UFS), pesquisadora na área de redes sociais e influenciadores digitais, e mentora de marketing para empreendedores e Influenciadores. Na internet, como mulher plus size que descobriu o amor próprio e auto estima além dos padrões, compartilha sua vida e vivências com outras mulheres e as encoraja a se amarem como são.

E-mail: amandaneuman.an@gmail.com

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