No sábado à noite, fechei a última mala e conferi mentalmente a lista de recomendações que deixei para minha mãe. “Ela gosta de dormir ouvindo música de relaxar. Segunda tem aula de judô. Terça é dia de ginástica rítmica.” Minha mãe riu, dizendo que já tinha criado duas filhas e que eu deveria aproveitar a viagem.

No avião, segurando a mão do meu marido, senti um frio na barriga que não era só da altitude. Era a primeira vez que viajávamos sem nossa filha. No Rio, o mar batia no calçadão e o sol fazia tudo brilhar, mas a primeira noite ainda teve aquele silêncio estranho – o tipo de silêncio que antes eu chamava de paz, mas que agora parecia espaço vazio.

Sentamos num restaurante no Flamengo, desses que servem comida devagar, como se o tempo tivesse outro ritmo. Entre um gole de vinho e outro, deixamos as palavras virem. Falamos da série que estamos vendo juntos, dos vizinhos do prédio, do futuro. Falamos da filha, claro, mas também de outras coisas. E em algum momento, sem perceber, ficamos quietos. Mas não era um silêncio desconfortável, era um silêncio daqueles em que se pode existir ao lado do outro sem precisar preencher o espaço com palavras.

Nós sempre fomos bons nisso. Na companhia. No prazer simples de estar junto. Nosso amor sempre teve a sorte de ser também amizade.

Nos dias seguintes, andamos sem destino, almoçamos tarde, dormimos até quase perder o café da manhã do hotel. Passamos um dia de sol inteiro nas ilhas de Angra dos Reis, conversando como dois jovens que acabaram de se conhecer. Em um dos passeios, uma moça me perguntou se estávamos em lua de mel. Eu ri e disse que não, que já se passaram mais de 10 anos de casados. Mas quando seguimos andando, percebi que de certa forma, estávamos. Era uma lua de mel com o que ainda somos, para além da rotina, para além do que a vida construiu ao nosso redor.

No último dia, passeando na areia do Arpoador, fiquei olhando para ele de perfil e me perguntei como seria se o encontrasse hoje, pela primeira vez. Será que eu me interessaria por ele? Será que ele me olharia de volta? Acho que sim. A sorte mora nisso. No fato de que, mesmo com os anos, eu ainda escolheria sentar na mesa de um restaurante com ele, dividir um vinho, dividir a vida.

O amor é uma sorte que dá trabalho. Li essa frase em algum lugar e nunca esqueci porque é verdade. Amar dá trabalho. Exige que a gente marque viagens mesmo quando a rotina grita para ficarmos. Que troque mensagens carinhosas no meio do dia, entre boletos e reuniões. Que segure a mão no avião, no carro e na vida. Mas a sorte, essa coisa misteriosa, está em encontrar alguém com quem dividir os silêncios. E quando isso acontece, vale a pena todo o trabalho.