Forte e legal (ao mesmo tempo)
Blogs e Colunas | Amanda Neuman 22/08/2021 15h08 - Atualizado em 22/08/2021 15h17Perdi as contas de quantas vezes ouvi justificativas de que alguém é do jeito que é porque já teve que aguentar muita coisa nessa vida. Eu imagino que seja mesmo verdade. A vida não é simples, não é fácil e, para algumas pessoas, os dias podem até ser cruéis. Porém, ao longo do caminho, sempre que usavam os percalços da estrada de alguém na tentativa de explicar seu jeito duro de ver a vida ou de tratar os outros, me questionei: mas pra ser forte tenho que ser assim?
Dias atrás li um romance que me trouxe à memória esse questionamento que, até então, estava esquecido na minha mente, talvez porque nos últimos tempos – tempos em que nossos contatos e amizades se reduziram tão drasticamente – eu tenha deixado de conviver com pessoas que são duras no trato. Precisei filtrar, escolher, e terminei por – de forma consciente ou não – não ter mais comigo esse tipo de pessoa.
Voltando ao romance, o protagonista é um homem gentil e doce que trabalha numa casa de repouso focada em amenizar a dor dos últimos dias de quem enfrenta doenças terminais. Nessa casa de repouso, ele tem uma amiga de sete anos de idade que, em uma de suas conversas diárias, diz a ele que ele é “legal demais” e, por esse motivo, “deve ser pisado como um capacho” por muita gente. A resposta do protagonista me chamou a atenção a ponto de eu destacar o trecho para lembrar sempre. Ele disse assim:
“Ser legal é uma coisa boa. A gente pode ser forte e legal. Não precisa ser uma coisa de cada vez”.
Forte e legal. Tudo ao mesmo tempo. Que desafio é manter esse equilíbrio! Quando as curvas – e atropelos – da vida exigem que sejamos fortes, rígidos e duros na queda, existe a necessidade de doçura e leveza para encarar os dias, existe a necessidade de ser legal com os outros e, especialmente, conosco mesmos. Eu sei que não é fácil. Como sei! Sou especialista em esquecer que estou chateada com alguém, especialista em quase nunca sentir raiva de verdade, especialista em ignorar e seguir em frente. Pode parecer coisa de gente legal, mas acredito, cá comigo mesma, que é mais força do que qualquer outra coisa.
A gente aprende que precisa vencer todas as batalhas e acaba vivendo uma luta todo dia, mas a vida não é uma guerra. Pelo menos não precisa ser. Passar por coisa demais nos torna duros e afeta nossa capacidade de amolecer, mas eu acredito, acredito mesmo, que ser forte não é ser impenetrável. Ser forte é reconhecer as brechas que nos tornam tão humanos a ponto de sentir tantas coisas. Ainda que sentir seja demais e faça até doer. Ser forte é levantar dos baques e entender que o sorriso no nosso rosto fortalece nosso ser e o jeito de ser de quem se aproximar. Ser forte não é deixar de sentir. Ser forte é também ser legal com os outros porque a experiência nos faz ver que o mundo já tem gente ranzinza demais e não queremos ser como eles.
No fim das contas, eu concordo com o protagonista do último romance que li. É possível, sim, ser forte e legal ao mesmo tempo. Acredito, até, que quanto mais fortes nos tornamos, mais legais conseguimos ser. Se existe algo mais forte que a gentileza de quem já passou por tanto e, por isso, aprendeu a se colocar no lugar do outro, eu desconheço.
Jornalista (UNIT) há 10 anos, mestra em Comunicação (UFS), doutoranda em Sociologia (UFS), pesquisadora na área de redes sociais e influenciadores digitais, e mentora de marketing para empreendedores e Influenciadores. Na internet, como mulher plus size que descobriu o amor próprio e auto estima além dos padrões, compartilha sua vida e vivências com outras mulheres e as encoraja a se amarem como são.
E-mail: amandaneuman.an@gmail.com
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