Especialista de Sergipe mostra como discos em vinil retomam o antigo prestígio | F5 News - Sergipe Atualizado

Entrevista
Especialista de Sergipe mostra como discos em vinil retomam o antigo prestígio
Colecionador André Teixeira fala sobre uma indústria que se torna outra vez bilionária
Cotidiano | Por Monica Pinto 25/08/2024 16h30


O falecimento de Sílvio Santos trouxe à tona que o empresário e comunicador mantinha em sua casa um cômodo repleto de bonecas, pelúcias, troféus e homenagens, entre outros itens a lhe evocarem afetos e boas memórias. O jornalista e colecionador André Teixeira, prestes a completar 50 anos, não tem exatamente um cômodo, mas um acervo no bairro Inácio Barbosa no qual reúne os objetos de seu encantamento há décadas – os discos de vinil. Ao comercializar peças no ambiente virtual do Instagram - @lojinhadosdiscos –, viabiliza que entusiastas como ele possam garimpar os exemplares de seu interesse.  

André diz que nasceu em Mossoró (RN) em 1974, mas que renasceu em 1979 em Aracaju, para onde sua família se mudou. Formou-se em Jornalismo em 2018, na Universidade Federal de Sergipe, apresentando como seu Trabalho de Conclusão de Curso o livro-reportagem “A feira dos discos”, projeto que ganhou corpo a partir de uma coincidência triste, que ele relata nessa entrevista exclusiva ao F5 News. Confira esse passeio musical pelo ocaso e renascimento de um nicho da indústria fonográfica que chegou a agonizar, porém renasceu das cinzas, voltando a ocupar seu status de bilionário.

F5 News - De onde surgiu esse seu grande apreço pelo vinil?

André Teixeira – O primeiro arrebatamento estético através da música veio com Dire Straits, a música Sultans Of Swing. Eu estava sentado com um radinho de pilha na praça, morava em Maceió nessa época, e só vim a descobrir depois qual era a música, um amigo emprestou o disco e eu descobri que fazia parte dele, uma coletânea de Dire Straits chamada Money For Nothing. Lembro depois que, nesse mesmo radinho, já morando aqui em Aracaju, eu encontrei, fui arrebatado perto da meia-noite por Construção, de Chico Buarque. Começou um sambinha bonitinho, gostosinho, embalando meu sono, daqui a pouco explode o arranjo do Rogério Duprat, me desnorteia totalmente, é como se fosse um sol nascendo à meia noite, “páá!”, fiquei impressionado. Aí, pronto, comecei a buscar discos.

F5 News - Entre as raridades no vinil melhores cotadas, quais seriam as mais caras?

André – Entre as raridades, tem listas de discos internacionais que chegam a atingir dois milhões de dólares, rolou leilão para isso. O disco mais caro de que se tem notícias é um de uma banda chamada Wu-Tang Clan, o nome do disco é Once Upon a Time in Shaolin, e chegou em um leilão em 2015, então esse é o álbum mais caro, internacional.

Aqui no Brasil você tem álbuns como o primeiro disco do Roberto Carlos, o disco que chama Louco Por Você, e ele chegou a atingir mais de R$ 10 mil, principalmente por Roberto Carlos não permitir regravação dele, você pode conseguir regravação pirata, de vinil, mas regravação oficial você não consegue. Outro disco, também, que ficou assim durante muito tempo como raro e caro foi um disco chamado Paêbirú, do Zé Ramalho e Lula Côrtes, esse disco, por ter sido perdido durante uma das várias enchentes que Recife teve, ficou caro, mas muito caro. Ele chegou a atingir eu acho que mais de R$ 10 mil, eu não lembro, estou fazendo aqui uma pesquisa básica, esse primeiro exemplar dele nunca foi vendido, por exemplo, na internet, porque sobraram pouquíssimas cópias, mas as que você conseguia reter chegavam a custar muito caro, tipo R$ 8 mil, por exemplo, agora você tem a venda, de um site, aliás, aqui no Brasil mesmo, R$ 35 mil ou sete mil e poucos dólares, um pouco menos de sete mil dólares, você encontra esse disco, Paêbirú. Outras versões dele, atuais - esse disco é de 1976 -, mas a reedição da Mr Bongo, por exemplo, que é de 2008, você encontra mais barata, R$ 300. Mas tem versões novas, a gravadora Polysom fez uma prensagem dele, acho que você encontra ele novo, zerado, por R$ 400. 

André com seu preferido, Sinfonia do Rio de Janeiro, de Tom Jobim e Billy Blanco, com arranjos de Radamés Gnattali. Lançado em 1954, foi um presente de Seu Quirino, vendedor de discos dos anos 60 até o dia 27 de abril deste ano, quando faleceu. 

F5 News - Que critérios de avaliação são determinantes nesse negócio?

André – Existe uma padronização meio que baseada no senso comum. Ah, o disco está novíssimo, saiu da loja e o vinil também, vai ter um valor um pouco mais alto do que um vinil que está com uma capa riscada ou rasgada, ou rabiscada e rasgada. Da mesma forma que o vinil, se você olhar o vinil, a mídia, e ele está com um aspecto zero, parece que não foi tocado, não tem nenhum risquinho, assim, nem aquele risquinho superficial, ele vai ter um valor mais alto do que um disco que está arranhado, que você olha assim e ele tem riscos aparentes, é um estado, é uma qualidade inferior ao disco zerado, não é?

Ou o disco tem um arranhão que você passa o dedo e você sente o arranhão; a capa do disco tem furo de traça, aí pronto, essas avaliações são avaliações iniciais. Mas você tem uma outra avaliação que é, por exemplo, a raridade do disco, se o disco não foi relançado, se você tem uma edição do disco, por exemplo, a primeira edição mono do disco Clube da Esquina, ele é mais caro do que a versão estéreo, que foi lançada depois, e esses dois são mais caros do que a versão que é uma reedição dos anos 80, por exemplo.

F5 News - Os discos em vinil voltaram a ser fabricados ou nunca houve uma interrupção total?

André – Embora o CD tenha sido uma invenção do final dos anos 70 e tenha iniciado a sua fase mais industrial em meados dos anos 80, aqui no Brasil só no início dos anos 90 é que começou a transição. E as fábricas começaram a diminuir a fabricação do vinil, os formatos coexistiram durante alguns anos, mas em meados nos anos 90, por exemplo, em 1994, parece que começaram a parar de fazer, você encontra as últimas gravações de Bethânia, de Gal, de Marisa Monte. Em 1995, você não encontra mais produção praticamente nenhuma de grandes artistas.

Uns ou outros continuaram, a música gospel, por exemplo, aqui no Brasil, continuou fabricando, músicas de matriz religiosa, não é? Músicas religiosas de matriz africana. Anos 90 foi até aí, basicamente. Mas teve uma fábrica que continuou durante um tempo, a Polysom, e, no final dos anos 2010, em 2009 ou 2008, essa fábrica foi vendida e foi reativada, os novos donos começaram a produzir discos, mas em uma escala bem menor.

Só que houve um evento criado fora do Brasil, em 2007, o Record Store Day, o Dia da Loja de Discos, e começou a se fazer muita promoção lá fora, nos Estados Unidos e Europa, na Ásia também, não parou, a produção de LP não parou. Claro que reduziu muito em relação ao ritmo que chegou no seu ápice, que foi no final dos anos 70, foi o ápice do vinil. Então essa interrupção não cessou, o vinil continuou circulando nos sebos.

Um fenômeno da internet foram as lojas virtuais de usados, o Mercado Livre, o Arremate, tinha um outro que eu não lembro agora, que eram os três em que eu procurava algumas coisas. De lá você vê a grande quantidade de oferta de discos usados, desde essa época já, final dos anos 90.

F5 News – Como se deu a retomada maior do prestígio do vinil?

André - Com o advento do Record Store Day, nota-se que há uma evolução das vendas a partir daí, é como se, em 2007, o vinil estivesse na UTI e a partir de 2007 ele começasse a se recuperar. Em 2017, 2018, uma empresa de consultoria internacional prevê que o vinil voltará a ultrapassar a casa do bilhão de dólares, isso falando em termos de discos novos, novas produções. Então, em um período de dez anos, houve uma franca recuperação do vinil, só que, em comparação ao CD, é recente, é coisa de 2020 ou 2021 que o vinil ultrapassou a vendagem de CDs. Mas, na balança comercial, o streaming pesa muito mais, ainda, do que as negociações em mídias físicas.

F5 News - O seu livro nasceu de uma triste coincidência. Como foi essa pesquisa?

André – "A Feira dos Discos” nasceu de um infortúnio, a morte de um amigo - o vendedor de discos João Carlos, o rei do disco. Todo final de semana, a partir da sexta-feira já, ele e outros vendedores de discos, CDs, DVDs, fitas VHS, fitas cassetes, ficavam no fundo de um supermercado grande, ali no início do Conjunto João Alves, e eu, incumbido de fazer uma matéria para uma disciplina de jornalismo online, eu fiz essa pauta de entrevistar os vendedores de discos de Aracaju que ainda tinham, e fui.

Chegando lá eu me deparo com uma faixa, no lugar em que ele geralmente ficava, “Saudade eterna de João Carlos, o rei do disco”, aí eu me assustei, “o que foi isso aqui?”, perguntei aos vendedores que estavam lá e eles me informaram que João tinha morrido dois dias antes e tinha sido enterrado no dia anterior. Ele foi encontrado pela esposa desacordado, no chão e já morto.

A partir daí, como uma homenagem ao João, eu resolvi mudar, já tinha em mente meu Trabalho de Conclusão de Curso em Jornalismo, só que eu mudei e passou a ser um livro reportagem sobre a cena do vinil. Nessa mudança eu ampliei muito, em vez de entregar 100 páginas, por exemplo, eu entreguei 200 páginas com imagens, são mais de 50 imagens, entre fotografias e ilustrações, todas com autorização de uso, a ética jornalística prevê isso, então está tudo devidamente regulamentado. Esse foi o porquê eu fui escrever um livro sobre disco de vinil, sobre a cena do vinil. 

F5 News - O seu livro é de 2018, quando o vinil já parecia em estado terminal. Quais as dificuldades dessa garimpagem nos dias atuais? Há mais lojas?

André – Em 2018, como eu disse, já estavam prevendo que o vinil ultrapassaria a casa do bilhão de dólares. Aqui no Brasil esse momento significava, por exemplo, você já tinha, além da Polysom, a Noize, que criou um selo, um clube de assinatura. Antigamente tinham clubes de livro, aí a Noize Record surge já como clube de assinatura de vinil, em 2014. É o primeiro clube de assinatura de discos da América Latina, então, ainda de certa forma independente, não era uma grande empresa, então o pessoal está fazendo isso já há um tempinho. E com relançamentos, tanto como relançamentos como os Afro Sambas; um dos discos de Milton Nascimento, um disco chamado Milton que é de 1974, se não me engano, foram vários discos relançados já.

Tem muita coisa, tem muita gente lançando, tanto autores novos, como autores consagrados. Por exemplo, você tem o Jota Pê, o que lançou em maio de 2024, e o Gilberto Gil, “Gilbertos Samba”, o disco de abril de 2024.

F5 News – E esse movimento foi ganhando corpo?

André – Sim, por conta desse movimento crescente, outras empresas foram surgindo, por exemplo, a Vinil Brasil, que tem já uns três, quatro anos mais ou menos, e eles criaram também um clube de assinatura, mas foi descontinuado. Você tem a Goma Gringa, que fez parceria com Três Selos, só que se separaram, hoje elas têm negócios distintos. Assim como a Noize Record, a Três Selos tem seu clube de assinatura, e é sensacional, também nessa pegada de relançamentos e discos novos.

Mas quando você vê uma grande empresa como a Universal Music entrar no jogo e criar também seu clube de assinaturas, você tem, aí sim, basicamente os relançamentos – discos do Gilberto Gil, do Caetano, do Paralamas do Sucesso. Universal Music é o site, aí você entra no site e pode ver um monte de coisa, tanto discos importados quanto fabricados no Brasil. Por exemplo, em agosto saiu, o disco da assinatura foi um do Egberto Gismonti, “Academia de Dança”, de 1974.

Com a Universal Music voltando a produzir discos, a reprensar discos – como o primeiro disco do Gonzaguinha, que é genial; o disco “Panis Et Circenses”, com vários artistas, um disco seminal do movimento da Tropicália –, então você tem aí muita coisa, muito material sendo relançado. A Universal tem um catálogo imenso, que era o da Philips.

F5 News – Vai se cumprindo a previsão do amigo que inspirou você a fazer o livro reportagem, então...

André - Eu não consegui, por motivos óbvios, realizar essa entrevista, mas a fala do João Carlos está presente no livro, tem um documentário no Youtube – Nós amamos vinil –, feito por um xará meu, André Souza. A fala de João Carlos está presente nesse documentário e uma delas, a do final,  os créditos subindo, é a seguinte: “você que jogou seu disco fora, vendeu, jogou fora ou deu, vai se arrepender, porque o vinil vai voltar e, quando voltar, vai voltar duas, três vezes mais caro”. Essa profecia, realizada em 2007, ela praticamente se realizou. Hoje você tem um vinil duas ou três vezes mais caro do que antigamente, e é isso mesmo, é bem caro.  

F5 News – Fora os clubes de assinaturas, como se processam hoje as vendas de discos em vinil?

André – A gente organiza feiras, vamos para a 18ª feira, em um período de dois anos e meio, quase três anos. E nas feiras geralmente vai muita gente, a gente fez em vários locais, tem feito regularmente na [loja/espaço musical] Freedom, já fizemos umas três vezes lá. O bom da Freedom é que sempre tem show (confira entrevista com o proprietário, o roqueiro Sílvio Campos).

A gente fez no Clash Pub, que foi sensacional, porque eles deram espaço, também abriram palco, e tocaram duas bandas lá, a Dry Blues e a The Lost Tapes.

F5 News – Quem adquire vinil hoje?

André - A faixa etária de quem está comprando disco é bem interessante porque é diversa. Você tem crianças, adolescentes e adultos. É muito interessante isso, porque a gente vê, além da renovação, o público jovem comprando vinil, a gente vê muita gente querendo refazer as suas coleções que se perderam. E essa perda das coleções foi, uma boa parte, sugerida por quem queria vender a nova mídia.

Era comum antigamente e, de certa forma, ainda é comum – hoje não tanto quanto antes – você encontrar disco jogado no lixo, muita gente jogou fora. Se você pesquisar os seus amigos que tinham vinil, ou parentes que tinham vinil, muitos deles com certeza ou jogaram fora ou deram. Alguns podem até ter vendido, mas é impressionante, muita gente jogando fora mesmo.

 

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