Isis Broken: 'Essa oportunidade é de todo o meu Sergipe'
Atriz e cantora aracajuana fala da sua carreira e do papel na novela "Rancho Fundo" Entretenimento | Por Daniel Soares 07/04/2024 09h19 - Atualizado em 07/04/2024 09h39No próximo dia 15 de abril, quando os sergipanos ligarem a tv para assistir a estreia da novela "Rancho Fundo", da Globo, verão uma conterrânea na tela. A cantora e atriz Isis Broken, aracajuana, estrelará um dos papeis de destaque no elenco da trama.
Em entrevista ao Portal F5 News, Isis falou um pouco da sua personagem, Corina Castello, a quem classifica como "uma mini vilã carismática". E não é para menos, afinal, Corina promete aprontar todas, porém, divertindo bastante o público.
“Ela é muito divertida, muito alto astral, muito fashion, bonita. Ela está nesse lugar, assim, de ser moderna, né? Nem moderna, eu diria que ela é mais... futurista”, revela Isis.
Mulher travesti, afro-indígena, sergipana, Isis Broken destaca a importância da visibilidade para pessoas trans – principalmente com personagens não estereotipando corpos trans – mas também de defenderas cores de sua terra em rede nacional.
“Essa oportunidade não é só minha, mas de todo o meu Sergipe. E é muito interessante falar sobre isso, porque temos grandiosíssimos nomes no meu Estado, sim. Mas são nomes que não têm um reconhecimento a nível nacional”, afirma a atriz. Confira a entrevista ao Portal F5 News:
F5 News - Nos conte sobre sua carreira como atriz. Quando começou e como você decidiu fazer esse trabalho?
Isis Broken - Ano passado, fui convidada pela Globo para fazer Histórias Impossíveis, que foi uma minissérie onde o protagonismo era feminino e eu participei do episódio "Fala de Orgulho". Foi uma experiência que me deixou muito animada de fazer, foi muito gostoso. Teve um elenco maravilhoso, a direção também era linda, só de mulheres. E aí, depois desse convite, a Globo me convidou para uns workshops lá dentro. Inclusive, um deles foi presencial. E aí surgiu a novela, com o teste para fazer a Corina Castello. Foi em novembro mais ou menos e eu estava no Nordeste. Quando recebi o texto de como seria a personagem eu falei "caramba, a Corina Castello é minha cara". Falei que eu tinha que dar o meu melhor. Gravei o teste, mandei e acho que um mês depois eles falaram "você é a Corina". E aí, na verdade, foi tudo um acaso do destino. A Globo me convidou e me chamou e eu fui me descobrindo atriz, também, no meio do caminho. Foi uma junção entre a Globo querer uma artista travesti, afro-indígena, nordestina para o casting deles e eu também de querer uma nova experiência, uma nova jornada. Gosto de me desafiar, então acho que foi unir o útil ao agradável.
F5 News - Como foi a sua trajetória, de Sergipe até os estúdios Globo?
Isis Broken - Na verdade eu sempre fiz coisas programas da Rede Globo como um todo. Fiz "Bem Juntinhos", da GNT, com Rodrigo Hilbert e Fernanda Lima. Fiz o "Caça-joias", no Futura. Eu já tinha ali alguns trabalhos, mas todos como cantora, em um lugar de entrevista. Então, acho que eu já estava sendo ali visualizada pelos diretores. E aí foram surgindo oportunidades, fui fazendo curso lá dentro da Globo, Workshops e essas oportunidades foram aparecendo. Eu não podia falar muito também, até porque isso não me garantia nada, era tudo muito orgânico. Lembro que quando fiz o "Bem Juntinhos", perguntei ao diretor como me chamaram, porque o programa tinha Chico Buarque, Chico César, Tom Zé e eu. Eu falei, nossa, como vocês chegaram em mim? E ele falou "nossa, a galera aqui na Globo te adora, todo mundo aqui te conhece". Acho que também foi um lugar de verem minha potência, verem meu corpo como uma forma política. Saí no Globo como uma das cinco maiores vozes trans do País. Acredito que eles sempre me visualizaram de alguma forma.
Isis Broken - A Corina é dona de uma loja. Ela é muito trambiqueira e é muito engraçado. Ela tem uma ajudante na loja, que se chama Rafaela e ela é uma menina que sofre muito na mão da Corina. Porque a Corina está sempre fazendo um trambique, e aí na hora que dá errado, ela coloca a Rafaela de frente. Tipo assim, "pô, resolva aí esse IBO aí, meu". Então, a Corina é muito divertida, muito alto astral, muito fashion, bonita. Ela está nesse lugar, assim, de ser moderna, né? Nem moderna, eu diria que ela é mais... futurista. E o mais interessante disso tudo é que o arco principal dela não é ser trans. É muito importante que a gente tenha esse lugar de ter atrizes e atores trans, não só fazendo personagens trans. Porque somos muito mais do que isso. Eu, por exemplo, sou mãe progenitora. Então, eu também tenho outras realidades para além da minha realidade como uma mulher trans. Inclusive, uma das coisas que eu conversei com o Allan Fiterman, que é o diretor artístico da novela. Ele me falou que tinha um bordel, mas que eles não queriam me colocar no bordel. Que queriam me colocar em outro lugar para trazer novas narrativas pra esses corpos trans. É muito importante também que quando o audiovisual trabalhe com esses corpos, trabalhe com outras realidades para além das que são impostas no dia a dia.
F5 News - Sua personagem, Corina Castello, promete ter uma pegada de vilã. Como está sendo para você o desenvolvimento deste papel?
Isis Broken - Costumo falar que ela é uma mini vilã carismática. Ela é uma mini vilã porque ela está sempre fazendo ali uma “mal-caratice”. Ela é brasileira, ela é nordestina, precisa sobreviver. Ela é uma sobrevivente. Então, ela vai fazer de tudo para que esteja sempre ganhando, tirando uma vantagem de alguma forma. A Corina tem essa pegada vilanesca, mas ela é engraçada também e é muito humana. Não dá tempo de a gente ficar com raiva dela porque ela também é humana, ela também erra, as pessoas também fazem trambiques com ela. Acho que ela tem essa chave que vira, que é uma vilã que todo mundo gosta. Sabe? Aquela vilã que todo mundo torce. É a Corina.
F5 News - O que representa para você essa oportunidade?
Isis Broken - Essa oportunidade não é só minha, né? Essa oportunidade é de todo o meu Sergipe. E é muito interessante falar sobre isso, porque Sergipe não tem grandes nomes de reconhecimento a nível nacional. Tem grandiosíssimos nomes no meu Estado, sim. Mas são nomes que não têm um reconhecimento a nível nacional. E aí, para mim, o mais significativo disso tudo agora é que esse nome grande nacional seja uma mulher travesti, afro-indígena, aracajuana, que por tanto tempo foi subjugada. Os profissionais da cultura nunca me deram devido valor. Agora é uma virada de chave não só para mim, mas também para todas as comunidades que represento. Espero que Sergipe, agora, tenha um novo olhar para esses corpos trans, travestis, afro-indígenas, que estejam também aí fazendo e movimentando de alguma forma a arte e cultura do Estado. Até porque Sergipe carrega o nome do Cacique Serigy, que é uma figura indígena. Tem muita arte e cultura popular de pessoas pretas. Acho importante que os principais nomes do nosso Estado sejam pessoas afro-indígenas e, para além disso, corpos trans, travestis também.
F5 News - Como mulher travesti, qual a sua avaliação sobre o espaço atual e a visibilidade ofertada pelas emissoras atualmente?
Isis Broken - Particularmente, não vejo outras emissoras contratando mulheres trans travestis. Só vejo a Rede Globo fazendo isso e com muito empenho, com muita força de vontade, com muita garra. Porque a gente sabe que a gente vive em um País extremamente polarizado, preconceituoso, transfóbico, racista. Então, a Globo mete o pé na porta e assume, sabe? Assume o que faz, assume as suas verdades. E é por isso que eu me sinto tão privilegiado de estar em uma emissora como a Rede Globo, porque ela realmente faz com que a gente se sinta parte daquilo. E que eu particularmente não vejo em outras emissoras. Sobre a visibilidade, sempre teve mulheres trans, travestis na televisão, mas boa parte delas, acho que a grande maioria, eram mulheres brancas, sudestinas. Por isso, essa oportunidade de ter uma travesti sergipana, afro-indígena, não-branca, é muito importante. É um arco agora que está fora da curva, que acho que é importantíssimo para que novas gerações assistam novela, liguem a TV e se vejam. Se sintam representadas, ouçam o sotaque, vejam a nossa pele e participem disso, dessa construção. Então, é um momento revolucionário na TV.
F5 News - Você também é cantora. Como é para você conciliar esses dois trabalhos artísticos?
Isis Broken - Boa pergunta (risos). Eu não sei. Estou tentando conciliar, mas fazer novela é um lance mais difícil, porque demanda muito tempo, muito empenho, muito estudo. Preciso estudar o personagem, estudar o texto, estudar o corpo, estudar a voz. Acho que ser cantora, estar no palco, atuando em videoclipes, por exemplo, acho que isso me deu uma sensibilidade muito maior na hora de gravar. Conciliar as duas profissões, na verdade, elas sempre estiveram conciliadas de alguma forma. Para mim, fica um pouco mais fácil, mas na hora do vamos ver, estou tentando gravar, compondo meu disco novo e ao mesmo tempo também tenho que dar conta da Corina. E aí, como fazer essa balança aí dar certo, aí a gente só vai ver com o tempo o que vai acontecer.