“O Nordeste catapultou o cinema brasileiro”, diz o ator e diretor Roney Villela
Em entrevista ao F5 News, ele comenta a ascendência da região no audiovisual Cotidiano | Por Monica Pinto 09/06/2024 13h00 - Atualizado em 09/06/2024 13h17Passou brevemente pela rede Cinemark em Aracaju a comédia “De repente, miss”, com um elenco estrelado e direção da consagrada carioca Chris D´Amato, em parceria com o taiwanês/brasileiro Hsu Chien. O filme foi gravado durante pouco mais de um mês no Beach Park, em Fortaleza (CE), reafirmando a impressão de que, quando se trata de locações paradisíacas, a Região Nordeste desponta como sólida alternativa.
O ator e diretor Roney Villela, que atua no filme como Rui, marido de Danielle Winits, a vilã, vem sendo agente e testemunha de um movimento contínuo: o deslocamento da produção audiovisual brasileira para além do eixo Rio-São Paulo, onde se concentrou por décadas. O Nordeste não apenas passou a ser sede de produtoras e outras empresas do setor, mas é celeiro pulsante de cérebros criativos à frente e por detrás das câmeras.
É com Aracaju, porém, que o ator e diretor nascido no Rio de Janeiro há 62 anos tem uma relação de afeto especial. Na capital sergipana nasceram três de suas sobrinhas, uma das quais também sua afilhada. Com isso, Roney Villela teve contato com as belezas do menor estado do país ainda muito jovem, quando sequer sonhava em construir uma carreira na dramaturgia que lhe rendeu reconhecimento de público e crítica especializada.
Irmão do músico Sidney Xambu, hoje residente na Barra dos Coqueiros, na Grande Aracaju, a atuação de Roney Villela levou-o, no entanto, à moradia do caçula, Barney, em Barra do Cunhaú, um pedaço privilegiado de terra e mar a cerca de 90 km de Natal (RN). Lá, foi filmado em 2023, o longa “Filhos do Mangue”, outro exemplo de produção deslocada do Sudeste.
Nessa entrevista ao F5 News, o ator e diretor aprofunda essa análise e fala de seus sentimentos pela capital sergipana, confira.
F5 News – Tem como mensurar o crescimento da participação do Nordeste hoje na indústria cinematográfica brasileira?
Roney Villela – Tem, sim. De uns 20 anos para cá, o cinema nordestino tem crescido de forma assustadora, consistente e regular. Desde “Amarelo Manga”, de Cláudio Assis, que foi em 2002, a gente tem ouvido falar mais do cinema nordestino, muito graças ao cinema pernambucano, que foi o primeiro a despontar. Graças a Cláudio Assis, Kleber Mendonça, Lívio Ferreira, Gabriel Mascaro, o Marcelo Gomes – que fez “Cinema, Aspirinas e Urubus” -, o Eduardo Morotó, que já é da nova geração. São todos excelentes cineastas e, diria eu, hoje são os que mais projetam o cinema brasileiro para o mundo.
O Kleber Mendonça, com Bacurau... eu estive em Rotterdam, na Holanda, e pude ver Bacurau ser aplaudido de pé ao final do festival realizado lá. Foi a grande estrela do festival em 2019. Fiquei espantado com a grandeza do cinema pernambucano e nordestino de forma geral. O Ceará também gerou muitos cineastas – Karin Ainouz, Halder Gomez.
O Nordeste ajudou a catapultar o cinema brasileiro para um lugar grandioso e ganhou mérito dentro do próprio país também, estimulando a Ancine [Agência Nacional do Cinema] em redistribuir melhor a verba nacional de cinema, jogando mais para outras regiões que não o Sudeste e estimulando também a criação de editais locais. Tanto que hoje tem muitas produtoras do Sudeste com endereço no Nordeste para poder concorrer também a editais lá.
F5 News – A que você atribui essa maior independência do cinema em relação ao Sudeste?
Roney – Foi isso, o cinema nordestino começou a demonstrar tanta qualidade, a fazer despontar tantos cineastas espetaculares que acabou obrigando a Ancine a repensar a distribuição de verba para o cinema nacional, distribuir por regiões de forma um pouco mais democrática e ajudar o cinema nordestino a ganhar assinatura.
O cinema nordestino tem uma linguagem independente, eu diria, do resto do cinema que se faz no Brasil. É um cinema de grandes histórias contadas de forma muito particular, atento a linguagens muito particulares também e com resultado de filmes belíssimos.
F5 News - Como você se situa nesse panorama do cinema nordestino?
Roney - A minha relação com o cinema nordestino foi se fortalecendo gradativamente. Eu protagonizei o longa-metragem “A Morte Habita à Noite” (abaixo), de Eduardo Morotó, pernambucano de Caruaru, e esse filme foi lançado em 2020. Ele recebeu muito boas críticas e vários prêmios, eu inclusive como Melhor Ator. Aí eu comecei a ver meu nome sugerido para outras produções.
Agora, em 2024, acabei de terminar, em São Paulo, o filme "Dolores", de Maria Clara Escobar e Marcelo Gomes, que é pernambucano. Estou me preparando para rodar "O Agente Secreto", de Kleber Mendonça, em Recife, um longa protagonizado por Wagner Moura, onde contracenarei com Gabriel Leone e outros espetaculares atores nordestinos. Os grandes atores do Brasil amam trabalhar em filmes nordestinos.F5 News – Como aconteceu de você filmar na mesma cidade onde mora seu irmão caçula?
Roney – Tive a sorte – coisas que só o cinema faz – de filmar em Barra do Cunhaú, no ano passado, um filme da Eliane Caffé, que se chama “Filhos do mangue”, que está começando a participar de festivais agora. Ficou muito bom o resultado dele. Tive a sorte, a luz, de filmar, de ficar 40 dias em Barra do Cunhaú, que é exatamente onde mora o meu irmão caçula, Barney Villela. Pude não só trabalhar, como conviver com ele, porque ele também fez parte do filme como ator, que o filme cercou também de não atores, de pessoas locais, e ele acabou também pegando um papel legal pra caramba e eu tive a honra de conviver 40 dias com meu irmão caçula em um set de filmagem, ô sorte! Bom, eu não posso deixar de citar que Glauber Rocha era baiano.
F5 News – Como começou a sua relação com Aracaju?
Roney – Eu amo o Nordeste inteiro, é um dos lugares onde eu me sinto melhor na vida. E eu diria que isso é tudo graças a Aracaju, a Sergipe. Quando eu era adolescente ainda, o meu irmão mais velho, Sidney, virou hippie e foi morar na Atalaia Nova, na ilha de Santa Luzia. Ele fazia artesanato para vender nas feirinhas. Num desses verões eu fui parar lá, na casa dele e fiquei acho que um mês. Aí Aracaju nunca mais desgrudou de mim.
Tenho um carinho gigante pela cidade. Já fui várias vezes, fui com o Teatro, espero ir ano que vem com uma peça que estou produzindo. Eu sou muito encantado com aquela reforma que foi feita há um tempão da orla, que ficou um lugar delicioso para se passear. Gosto muito do povo de Aracaju, acho um dos povos mais felizes desse Brasil, desse litoral gigante que a gente tem. Eu sou doido, doido por Aracaju.
E Sergipe também lançou grandes cineastas brasileiros, como José Humberto Dias, Hermano Penna – que fez muitos trabalhos em Sergipe -, Ilma Fontes também, grande cineasta.