Em sete meses, 341 animais foram vítimas de maus-tratos em Sergipe | F5 News - Sergipe Atualizado

Em sete meses, 341 animais foram vítimas de maus-tratos em Sergipe
Saiba como prevenir, denunciar e ajudar a combater esse tipo de crime
Cotidiano | Por Ana Luísa Andrade 10/08/2022 12h45


Já era tarde da noite em 2019 quando a jornalista Victoria Costa chegou em casa após o expediente e notou que havia algo de errado com Regina, sua gata de estimação. O animal estava letárgico, apresentava sinais de fraqueza, tristeza e não queria comer.

Inicialmente, não passou pela cabeça de Victoria que Regina pudesse ter sido vítima de envenenamento. Amante dos bichos desde criança, a jornalista nunca havia passado por esse tipo de experiência. Por conta disso, infelizmente, ela só buscou ajuda veterinária quando já era tarde: a gata morreu ainda filhote, com sete meses de idade.

Victoria conta que, na época, por não haver delegacia especializada em crimes ambientais e contra os animais, não chegou a denunciar a ocorrência. “Eu também pensava que o caso ficaria impune e acabaria sendo um estresse desnecessário tentar denunciar. Mas hoje, eu teria denunciado, porque acredito que poderia prevenir que outros casos assim acontecessem”, disse ao F5 News.

Ela contou também que, após o ocorrido, tomou conhecimento de que outros gatos também já tinham sido vitimados pelo mesmo crime na região em que morava. A experiência foi tão traumática que Victoria, acostumada a criar gatos desde criança, nunca mais teve coragem de adotar outro.

“Eu me senti muito mal, porque foi a primeira vez que eu estava criando um gato sozinha, sem minha família. Eu cuidava muito bem dela, ela se alimentava, não apresentava nenhum problema de saúde, e aconteceu uma coisa dessa completamente do nada. Ela era muito pequenininha, não fazia mal a ninguém, não arranhava, era super tranquila”, lamentou.

Infelizmente, o caso de Victoria e Regina não é isolado. Somente entre janeiro e julho deste ano, 54 animais perderam a vida após serem vítimas de algum tipo de mau-trato em Sergipe, segundo dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP/SE).

Nesse mesmo período, ao todo, 341 animais foram vítimas desse tipo de crime no estado, sendo que 193 foram cães ou gatos.

Recentemente, um caso que ganhou bastante repercussão foi o de oito gatos encontrados mortos em maio no Parque da Sementeira, no bairro Jardins, zona sul de Aracaju. As investigações apontaram que os animais foram mortos de forma cruel por seres humanos.

Ao longo das últimas semanas, o F5 News também informou sobre a ocorrência de outros casos desse crime no estado. No último dia de julho passado, um homem foi preso em flagrante após ameaçar matar um cachorro com golpes de facão em Lagarto.

No dia 14 do mesmo mês, a Polícia Civil de Sergipe resgatou cães em situação de maus-tratos no município de Nossa Senhora do Socorro. Os animais foram encontrados sem comida, sem água e em ambiente insalubre.

Já no dia 4 deste mês de agosto, outros três cães foram resgatados nas mesmas condições em Aracaju. Segundo a apuração policial, o tutor havia se mudado de residência e abandonado os animais.

Como agir em casos de envenenamento
Muitas vezes, assim como Regina, os animais também são vítimas de envenenamento. Esses casos podem ser prevenidos, caso o tutor se atente a algumas questões.

De acordo com a médica veterinária Marina Fonseca, os sintomas mais comuns de intoxicação são a dilatação da pupila (midríase), vômitos, diarreia, convulsões e hipersalivação (sialorreia).

A médica orienta que, caso o tutor do animal note algum desses sintomas, procure ajuda veterinária imediatamente, para descobrir a causa do envenenamento e auxiliar no protocolo a ser utilizado.

Além disso, ela reforça que receitas caseiras jamais devem ser utilizadas para tentar salvar o animal. “O ideal é que o tutor não administre nada. Ao contrário do que muita gente acha, administrar leite ou ovo acaba piorando, uma vez que administrar alimento fará com que o sistema gastro intestinal tenha que absorver mais conteúdo - inclusive o veneno”, explica a veterinária ao F5 News.

A depender do caso, mesmo que a vida do animal seja salva, ele ainda está sujeito à possibilidade de não se recuperar completamente e contrair algumas sequelas.

“Alguns tipos de venenos podem iniciar manifestação neurológica, e se o quadro for muito intenso ou a lesão neurológica for grande, o paciente pode perder parte das funções neuromotoras ou apresentar algumas sequelas, como o andar cambaleante e a dificuldade de se manter em estação”, acrescenta Marina Fonseca.

Assim, para tentar evitar que o animal seja vítima desse crime, é fundamental que o tutor tome alguns cuidados a mais, especialmente no caso de gatos.

“Infelizmente os gatinhos são os que mais sofrem com os quadros de envenenamento, porque ainda existe o velho hábito de deixar o gato sair sem supervisão, então ele acaba ingerindo o veneno nos passeios e volta já intoxicado”, afirma a veterinária. 

Nesse sentido, ela explica que é importante evitar essas saídas, ou que essas saídas ocorram apenas com a supervisão do responsável. Ela aponta que uma forma de inibir esse instinto aventureiro do gato é a castração, que deixa o animal mais caseiro.

Já no caso dos cães, ela alerta que o envenenamento pode ocorrer durante os passeios, sendo necessário que o tutor esteja sempre atento aos locais onde o animal passa e cheira. Também é fundamental observar se o cachorro tem o costume de pegar objetos do chão com a boca e inibir esse comportamento.

Como denunciar casos de maus-tratos contra animais em Sergipe
Em Sergipe, a especializada da Segurança Pública responsável por punir autores desse tipo de crime é a Delegacia de Proteção Animal e Meio Ambiente (Depama). Inaugurada em junho de 2021, a Depama fica no conjunto Orlando Dantas, em Aracaju. 

A unidade policial atua em investigações e desencadeando operações que visam o combate dos crimes contra os animais, principalmente os domésticos, como cães e gatos.

Para denunciar crimes de maus-tratos aos animais, a Depama pode ser acionada diretamente pelo número de whatsapp (79) 98819-4576. Além disso, qualquer pessoa pode realizar a denúncia desses casos por meio do Disque-Denúncia da Polícia Civil (181). O sigilo do denunciante é garantido.

Leis de proteção animal
A principal ferramenta legislativa que dispõe sobre a proteção de animais no Brasil é a Lei Federal nº 9.605, conhecida como Lei de Crimes Ambientais.

O instrumento possui um capítulo específico dedicado aos crimes contra a fauna, determinando a pena de detenção de três meses a um ano e multa para aqueles que praticarem ato de abuso e maus-tratos contra animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.

Sancionada em 12 de fevereiro de 1998, a legislação passou por uma série de mudanças ao longo dos anos. Em 2020, por meio da Lei nº 14.064, foi realizada uma alteração que aumentou a punição para as agressões contra cães e gatos. Nesses casos, os autores do crime estão sujeitos à pena de reclusão de dois a cinco anos, multa e perda da guarda do animal.

A lei federal, entretanto, não faz nenhuma especificação sobre que tipos de prática podem se configurar como maus-tratos aos animais.

É justamente sobre essa definição que dispõe a principal lei de proteção animal de Sergipe. A Lei Estadual nº 8.366, decretada em dezembro de 2017, instituiu o Código de Proteção aos Animais do Estado de Sergipe.

Tendo como ponto de partida a constatação dos animais como seres sencientes, ou seja, que têm a capacidade de sentir, a ferramenta legislativa sergipana determina os seguintes crimes contra o grupo:

- Ofender ou agredir fisicamente ou psicologicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência, prática ou atividade capaz de causar-lhes sofrimento ou dano, bem como as que provoquem condições inaceitáveis de existência; 

- Manter animais em local desprovido de asseio ou que lhes impeça a movimentação, o descanso ou os privem de ar e luminosidade; 

- Obrigar os animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo ato que resulte em sofrimento, para deles obter esforços que não se alcançariam senão com castigo; 

- Não propiciar morte rápida e indolor a todo animal cujo abate seja necessário para consumo;

- Não propiciar morte rápida e indolor a todo animal cuja eutanásia seja regularmente recomendada por autoridade veterinária;

- Enclausurar animais juntamente com outros que os molestem;

- Exercitar cães, conduzindo-os presos a veículo motorizado em movimento;

- Vender ou expor à venda animais em áreas públicas, sem a devida licença de autoridade competente;

- Vender animais a menores de idade desacompanhados de adulto ou responsável;

- Abusar sexualmente de animais.

A lei também traz outra série de pontos sobre proteção aos animais no estado, como a regulamentação da criação de animais exóticos e da comercialização de animais, por exemplo.

Como penalidade para o descumprimento da lei, estão previstas as sanções de advertência, multa, perda da guarda, interdição temporária ou definitiva, que variam de acordo com a infração praticada.

Outra legislação que ganhou bastante destaque em Sergipe foi a Lei nº 8.923. A partir dela, desde novembro de 2021, os condomínios residenciais ou comerciais localizados em território sergipano são obrigados a comunicar a ocorrência ou indícios de maus-tratos a animais aos órgãos de segurança pública.

A lei determina que, se verificado algum caso desse tipo de crime em unidades condominiais ou nas áreas comuns, os síndicos ou administradores desses condomínios devem realizar a denúncia em até 24 horas após tomarem ciência do fato, repassando, sempre que possível, informações que possam auxiliar na identificação do autor do crime. 

Em caso de descumprimento da legislação, há previsão de advertência ou multa, se houver reincidência.

Também há outras leis estaduais que visam combater a prática de maus-tratos e abandono de animais a partir da implementação de campanhas e datas de conscientização sobre o crime, como a Semana de Conscientização dos Direitos dos Animais (Lei nº 8.315), o Abril Laranja (Lei nº 8.581) e o Dezembro Verde (Lei nº 8.571).

Em Aracaju, a Lei Municipal nº 3502, de novembro de 2007, dispõe sobre o sistema de registro e fiscalização dos veículos de tração animal. Dentre as disposições da lei, é determinado que os condutores desses veículos devem manter seus animais limpos, saudáveis e bem tratados, ficando proibidos quaisquer maus-tratos, tais como fazer com que o animal trabalhe doente, ferido, faminto ou sedento.

Também se configuram como maus-tratos, nesse caso, submeter o animal à tração de cargas excessivas - superiores a 400 Kg - ou bater nele com relho, chicote, pedaço de madeira, galho ou qualquer outro objeto que possa causar ferimentos.

Outra cidade da Grande Aracaju que conta com uma legislação própria para combater os maus-tratos contra animais é Nossa Senhora do Socorro. Desde junho de 2021, a Lei Municipal nº 1.503 dispõe sobre o crime praticado contra animais domésticos no âmbito do município.

Segundo a lei, são considerados abuso ou maus-tratos contra animais domésticos quaisquer ações ou omissões que atentem contra a sua saúde ou a integridade física ou mental, como abandonar, confinar, manter preso, lesar ou agredir o animal e privá-lo de necessidades básicas, além de muitas outras práticas.

Como penalidade, a legislação socorrense prevê multas cujos valores variam de 200 a mil reais.
 

Edição de texto: Monica Pinto
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