'Mudança não é ameaça, mas oportunidade de inovação', diz administradora
Rosângela Sarmento mostra como a Administração se adapta a transformações contínuas Economia | Por Monica Pinto 15/09/2024 17h00A professora doutora Rosângela Sarmento, do Departamento de Administração da Universidade Federal de Sergipe, integra o corpo docente do Mestrado na área, além de coordenar o Mestrado Profissional em Administração Pública na mesma instituição. Especializada em Administração Pública e Organizações, Redes Organizacionais e Inovação no setor público, com sólida experiência na área de marketing, ela acompanha de perto as muitas transformações em uma atividade vital para a economia, dada sua influência nas operações, sobrevivência e sucesso de empresas, sejam elas privadas, públicas ou mistas.
Coordenadora do Polo Sergipe/Alagoas do Programa de Revitalização e Inovação da Indústria 4.0, decorrente de convênio entre a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e as Universidades Federais de Pernambuco (UPE) e de Sergipe (UFS), Rosângela ainda encontra tempo e disposição para contribuir como avaliadora de cursos e instituições para o Ministério da Educação (MEC).
Nessa entrevista ao F5 News, ela mostra como a Administração vai se adequando e aprendendo com novas realidades que se apresentam, processo que Rosângela Sarmento não avalia como ameaçador e, sim, como promotor de oportunidades a partir da inovação. Confira.
F5 News - A Administração está seguramente entre as atividades mais transformadas nas últimas décadas. Como acompanhar essas mudanças?
Rosângela Sarmento - A área de administração de fato tem passado por transformações, impulsionadas por fatores como a globalização, a digitalização, e as mudanças nas expectativas sociais. Acompanhar essas mudanças exige uma postura de constante aprendizado e adaptação, tanto para os profissionais quanto para as empresas.
Em um mundo onde as tecnologias evoluem a uma velocidade impressionante, manter-se atualizado com as novas ferramentas e metodologias de gestão é essencial. Mais do que isso, é preciso desenvolver habilidades humanas, como empatia, flexibilidade e a capacidade de lidar com a diversidade. Hoje, as empresas são ambientes dinâmicos, com equipes diversas que demandam lideranças mais sensíveis às necessidades individuais e coletivas.
F5 News – Como equilibrar tantos desafios?
Rosângela - É crucial enxergar a transformação não como uma ameaça, mas como uma oportunidade de inovação. Por isso, uma cultura organizacional que valorize a curiosidade e o espírito de colaboração pode fazer toda a diferença. Nessa nova realidade, o conhecimento é uma ponte que liga pessoas e soluções criativas para os desafios que surgem.
Além de olhar para as ferramentas e tecnologias, temos que lembrar que a administração é, acima de tudo, sobre pessoas. As empresas que prosperam são aquelas que conseguem equilibrar o uso da tecnologia com o cuidado nas relações humanas, entendendo que colaboradores, clientes e parceiros são parte fundamental desse processo de evolução
F5 News - Esse campo é bastante rico em teorias, que prosseguem sendo estudadas ainda nas graduações e pós. Não se tornaram obsoletas?
Rosângela - Embora as teorias clássicas da administração tenham sido desenvolvidas em um contexto bem diferente do que vivemos hoje, elas continuam sendo extremamente relevantes. Essas teorias são como os alicerces de um edifício: elas oferecem uma base sólida para entender as organizações e suas dinâmicas. O que muda ao longo do tempo são as interpretações e as adaptações que fazemos delas, à medida que o mundo se transforma.
Por exemplo, conceitos como planejamento, liderança e motivação foram amplamente explorados por teóricos há décadas, mas continuam sendo temas centrais, apenas sob uma nova perspectiva. Hoje, quando falamos de liderança, não pensamos mais apenas em hierarquia e comando, mas em lideranças colaborativas, empáticas e inclusivas. As teorias clássicas, nesse sentido, não se tornaram obsoletas, mas evoluíram.
A beleza da administração está exatamente nisso, ela é um campo vivo, que se adapta às demandas de cada época. Estudá-las na graduação e na pós-graduação nos ajuda a entender os fundamentos para, então, sermos capazes de inovar e aplicar novas soluções de maneira estratégica e criativa. Então, as teorias nos dão ferramentas para lidar com o presente, mas também para construir o futuro, sem que precisemos começar do zero.
F5 News - Em um vídeo sobre os mais promissores nichos de atuação na área da Administração, a senhora cita analista de dados como a primeira. Quais os requisitos necessários para ser um (a) profissional eficiente nesse trabalho especificamente?
Rosângela - Ser um analista de dados eficiente na área da administração vai muito além de dominar ferramentas e softwares. Nesse contexto, é fundamental ter uma base técnica sólida, como conhecimento em análise estatística, programação em linguagens como Python ou R, e uso de ferramentas como Excel, SQL, e Power BI. Mas o que realmente se destaca é a capacidade de aplicar esses dados às estratégias de negócios, conectando as análises com as necessidades e objetivos da empresa.
Na administração, a análise de dados é uma ferramenta rica para otimizar processos, identificar oportunidades de mercado e melhorar a tomada de decisões. O analista de dados precisa não apenas entender o que os números dizem, mas como eles impactam o desempenho organizacional, ajudando a desenhar estratégias mais assertivas e eficientes.
F5 News – Como se sair bem nessa tarefa?
Rosângela - Além das habilidades técnicas, um bom analista de dados precisa ser curioso e questionador, sempre buscando entender o contexto por trás dos números. O dado por si só não é útil se não for transformado em informações para a tomada de decisões. Ou seja, ter um pensamento crítico e uma visão analítica é tão importante quanto saber operar as ferramentas.
Outro ponto essencial é a comunicação. O analista de dados deve ser capaz de traduzir informações complexas em insights claros e acionáveis, acessíveis para quem não é da área técnica. Muitas vezes, esses profissionais atuam como pontes entre o mundo dos números e as pessoas que tomam decisões estratégicas, então saber contar uma boa história com dados faz toda a diferença.
Por fim, é importante se manter sempre atualizado, porque a área de análise de dados está em constante evolução. As tecnologias mudam, novas metodologias surgem, e um bom profissional precisa estar em sintonia com essas inovações.
F5 News - Ao falar sobre outro nicho promissor - o marketing voltado a estratégias para as redes sociais -, a senhora diz que é preciso estudar o comportamento da sociedade. Como fazer isso em sociedades que, ultimamente, são marcadas pela polarização ideológica?
Rosângela - Primeiro, precisamos entender que o marketing em si não mudou – marketing é marketing. O que mudou foi o ambiente de compra e a forma como as pessoas interagem com as marcas. Hoje, as redes sociais se formam em plataformas digitais como Instagram, Facebook, TikTok e YouTube entre outras, e é nesse novo cenário que as estratégias de marketing também precisam ser adaptadas.
O fato de estarmos em um ambiente digital não altera os princípios do marketing, mas muda a forma como nos conectamos com os consumidores. Por exemplo, em vez de uma comunicação de massa, hoje conseguimos criar campanhas altamente segmentadas e direcionadas para públicos com perfis ideológicos distintos. Cada plataforma tem sua própria dinâmica, e o que funciona no Instagram pode não ser eficaz no TikTok ou no YouTube, porque os comportamentos e as interações são diferentes em cada uma delas
F5 News – Mas e quanto a entender o comportamento da sociedade nesse panorama atual?
Rosângela - Estudar o comportamento da sociedade em um contexto de polarização ideológica pode parecer desafiador, mas também oferece uma oportunidade de entender melhor os diferentes perfis e segmentos dentro desse cenário. O primeiro passo é manter uma postura de empatia e escuta ativa. Em vez de focar nas divergências, é importante tentar compreender o que motiva os comportamentos de cada grupo. No marketing para redes sociais, isso é fundamental, porque a chave é criar estratégias que falem diretamente com as necessidades e valores de diferentes públicos.
Uma abordagem eficaz que fazemos no marketing seja em ambientes digitais ou não é a segmentação. Em sociedades polarizadas, as pessoas tendem a se agrupar em torno de crenças, ideias e valores específicos. Ao estudar essas bolhas, conseguimos identificar padrões de comportamento e preferências que nos ajudam a construir campanhas e estratégias de marketing mais direcionadas. Isso envolve o uso de ferramentas de análise de dados, mas também a compreensão dos contextos socioculturais que moldam as opiniões e as escolhas dos consumidores.
O desafio aqui é encontrar uma linguagem que respeite essas diferenças, sem alienar ou polarizar ainda mais os públicos. As marcas que conseguem se posicionar de forma autêntica, respeitando as diversas visões e mantendo um diálogo aberto e transparente, tendem a conquistar mais a confiança dos consumidores, mesmo em um ambiente tão dividido.
No fim das contas, o comportamento da sociedade está em constante mudança, e o marketing nas redes sociais precisa ser ágil, adaptável e sempre atento ao contexto, sem perder de vista o respeito pelas diversas realidades.
F5 News - A senhora encara a Inteligência Artificial como uma estratégia para otimizar o tempo, mas ressalva que é preciso saber usá-la a seu favor. Com as redes não raro tomadas por fake news, como separar o joio do trigo?
Rosângela - Encaro a Inteligência Artificial (IA) como uma excelente ferramenta para otimizar o tempo, automatizar tarefas e auxiliar nas tomadas de decisão. No entanto, como ressalto no vídeo, é fundamental saber usá-la a nosso favor. No caso das redes sociais, onde as fake news se espalham rapidamente, o grande desafio é justamente separar o joio do trigo.
A IA pode nos ajudar a identificar padrões, filtrar informações e trazer mais eficiência, mas ela não substitui o senso crítico humano. Quando usamos a IA, precisamos estar atentos à origem das informações que estamos consumindo e compartilhando. Ferramentas de verificação de dados e algoritmos são úteis, mas é essencial que as pessoas se eduquem para reconhecer fontes confiáveis e questionar o conteúdo que recebem. A capacidade de discernimento e a busca por fontes fidedignas se tornam ainda mais importantes nesse contexto.
F5 News – Quais os caminhos para colocar a IA a serviço desses propósitos?
Rosângela - Uma das maneiras de fazer isso é usar a IA como uma aliada para organizar o fluxo de informações e priorizar aquelas que têm maior credibilidade. Muitas plataformas já utilizam sistemas de verificação automática de fatos, mas isso é apenas uma parte da solução. A responsabilidade também está em quem consome e compartilha, e aí entra a educação digital. Saber identificar uma notícia falsa ou manipulada requer um olhar crítico e cuidadoso, algo que a IA pode facilitar, mas que o ser humano precisa liderar.
Em resumo, a IA nos oferece oportunidades incríveis, mas ela deve ser usada com consciência. A combinação entre tecnologia e senso crítico é o que vai nos ajudar a navegar por esse mar de informações e evitar que as fake news dominem o espaço das redes sociais
F5 News - O consultor de transformação digital é um cargo em ascendência também citado no seu vídeo. Em linhas gerais, na prática, como ele qualifica essa migração dos processos organizacionais para o ambiente digital?
Rosângela - O consultor de transformação digital tem um papel fundamental nessa migração. Na prática, ele atua como um facilitador dessa transição, ajudando as empresas a integrarem novas tecnologias de maneira eficiente, sem perder o foco no principal objetivo, que é melhorar a performance e a competitividade do negócio.
Esse profissional começa por fazer um diagnóstico detalhado da empresa, entendendo os processos atuais, as necessidades e os desafios. A partir daí, ele identifica quais áreas podem ser otimizadas com o uso de tecnologia, como automação de tarefas rotineiras, digitalização de documentos, integração de sistemas e uso de dados para melhorar a tomada de decisões. O objetivo é criar um ambiente mais ágil, onde as informações fluem de maneira mais rápida e precisa.
F5 News – Isso requer preparação dos recursos humanos da empresa também, não é?
Rosângela - O consultor também capacita as equipes para que saibam usar essas tecnologias a seu favor. Isso significa oferecer treinamentos e suporte, além de promover uma mudança de mentalidade dentro da organização, preparando os colaboradores para um ambiente de trabalho mais digital e dinâmico.
Outro aspecto importante é garantir que essa migração seja feita de forma estratégica, alinhada aos objetivos da empresa. A transformação digital não é só sobre tecnologia, mas também sobre inovação nos processos, melhoria na experiência do cliente e criação de novos modelos de negócios. O consultor ajuda a empresa a dar esses passos com segurança, evitando riscos e aproveitando ao máximo as oportunidades que o ambiente digital oferece.
F5 News - O conceito de ESG - que alia preservação do meio ambiente, (Environmental) responsabilidade social (Social) e transparência empresarial (Governance) - vem sendo abraçado por empresas em todo o mundo. Ele ainda pode ser melhor explorado no Brasil?
Rosângela - Com certeza, o conceito de ESG (Environmental, Social, and Governance) tem ganhado força globalmente, e no Brasil ainda há muito espaço para que ele seja mais amplamente explorado. Esse conceito vai além de uma simples tendência; ele representa uma mudança de mentalidade nas empresas, que agora são cada vez mais cobradas por suas práticas ambientais, sociais e de governança. No entanto, no Brasil, muitas organizações ainda estão nos primeiros passos dessa jornada.
O que vejo é que, embora várias empresas já estejam adotando iniciativas voltadas ao ESG, como práticas de sustentabilidade ambiental e projetos sociais, ainda há um potencial enorme para expandir essa abordagem de forma mais estratégica e integrada ao modelo de negócios. Muitas vezes, o ESG é tratado como um apêndice, uma ação isolada, quando, na verdade, ele deve ser parte central da cultura empresarial.
F5 News – Qual pode ser a marca do Brasil nesse movimento?
Rosângela - O Brasil, por ser um país com uma biodiversidade tão rica e com desafios sociais tão complexos, tem uma oportunidade única de se destacar globalmente na implementação do ESG. Aqui, as empresas podem se posicionar como líderes em soluções que conciliam crescimento econômico com responsabilidade ambiental e social. Mas isso exige mais compromisso e investimento, tanto por parte das organizações quanto do governo, em criar um ambiente regulatório que incentive essas práticas.
Acredito que o próximo passo para o Brasil é promover mais conscientização sobre a importância do ESG não apenas como um diferencial competitivo, mas como um requisito essencial para a sustentabilidade a longo prazo. As empresas que entenderem isso e abraçarem essa causa terão um papel crucial na construção de um futuro mais justo e sustentável, alinhado às demandas globais e locais.