Psicóloga explica como identificar e lidar com uma relação abusiva | F5 News - Sergipe Atualizado

Psicóloga explica como identificar e lidar com uma relação abusiva
Sergipe registra 23 casos de violência contra a mulher diariamente, aponta SSP
Cotidiano | Por Will Rodriguez e Fernanda Araujo 05/05/2019 20h45 - Atualizado em 06/05/2019 10h46


Sergipe registra em média 23 casos de violência contra a mulher todos os dias. O levantamento feito pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) a pedido de F5 News revela uma realidade preocupante e que mata. Este ano, seis feminicídios já foram registrados no estado, dois deles na semana que passou.

Por trás das vítimas que tais estatísticas representam, invariavelmente há um histórico de relações construídas na base do desrespeito.

Não importa a cor, a idade, o emprego, a classe social ou o grau de instrução, qualquer uma pode estar na mira do agressor. Um relatório divulgado este ano pela ONG internacional Humans Rights Watch (HRW) define que há uma “epidemia” de violência doméstica no Brasil.

Para o Observatório dos Direitos Humanos, apesar de a Lei Maria da Penha ser uma das mais avançadas do mundo, ela não está sendo aplicada com a eficácia necessária e o abuso doméstico não notificado cresce de forma alarmante.

Para ajudar a compreender os sinais do comportamento abusivo em um relacionamento, F5 News entrevistou a psicóloga Márcia Lourêdo que ainda alerta para a necessidade de romper com a legitimação da atitude agressiva que, muitas vezes, sufoca os pedidos de socorro de tantas mulheres.

1 - Como identificar uma relação abusiva?
ML: No início, é difícil identificar uma relação abusiva, mas, com o passar do tempo, a pessoa pode ir observando alguns comportamentos que podem apontar alguns indicativos, como cuidados exagerados, demonstrações efusivas de amor e declarações. Geralmente, essas pessoas, de forma precipitada, antecipam um relacionamento mais sério com pedidos de casamento; procuram isolar a outra pessoa do seu ciclo de amizade, isolando essa pessoa inclusive dos seus familiares, tornando a pessoa mais dependente dele. 

2 - Sabemos que o sentimento de posse e o ciúme excessivo são alguns dos traços que caracterizam essa relação abusiva, mas quais são aqueles traços mais sutis, que as vezes passam despercebidos?

ML: Além dos traços acima relatados, observa-se que, sempre de uma forma bem disfarçada, os autores procuram minar a autoestima da outra pessoa: “amo tanto você, minha gorduchinha”. Geralmente, procuram deixar claro que a outra só está ali para servi-lo, coisificando-a. São pessoas que abusam de mentiras e enganações e, frequentemente, são explosivas quando contrariadas. Praticam stalking com o objetivo de manter a pessoa presa ao relacionamento. É comportamento usual se vitimizarem e prenderem a parceira, que passa a ter pena dele. São agressivos e costumam tomar posse dos bens do outro e/ou abusarem de empréstimos para que o parceiro pague. Observa-se que neste relacionamento sempre há uma ameaça velada.

3 - O que caracteriza o relacionamento abusivo?
ML: De difícil definição, mas os maiores indicativos são ciúme e possessividade exagerados, querer controlar as ações do parceiro e querer isolar o parceiro do convívio com amigos e familiares. Devemos observar os critérios estabelecidos pela Lei Maria da Penha que define os tipos de violência: a patrimonial, a sexual, a física, a psicológica e a moral.

4 -  Esse tipo de situação pode ocorrer em quais relacionamentos?
ML: Embora a maior visibilidade seja com relação às relações abusivas entre casais heterossexuais, o abuso ocorre também entre parceiros do mesmo sexo. Em relação à idade, estudos recentes demonstraram que adolescentes afirmaram ter sofrido com relacionamentos abusivos também.

5) Muitas pessoas acreditam que quem está em um relacionamento “está porque quer”. Entretanto, muitas vítimas não conseguem sair dessa situação. Por que isso acontece?
ML: 
Grande parte das mulheres diz não confiar nas leis e nas medidas formuladas para protegê-las da violência, além de que nossa sociedade persiste na cultura da culpabilização das vítimas. Várias mulheres ainda pensam nos seus papéis sociais, pensam o que as pessoas vão achar e se acharão que o erro foi delas. Além disso, muitas mulheres acreditam firmemente que seus parceiros ainda vão mudar. As vítimas, quando relatam a possibilidade de denunciar o parceiro, sentem medo diante de um processo que ainda é juridicamente longo.  Portanto, a dificuldade em sair de um relacionamento abusivo pode passar por questões econômicas, emocionais, afetivas, legais e burocráticas.

6) Como uma pessoa pode perceber que está em um relacionamento abusivo? Como ela pode proceder? Como amigos e familiares podem ajudar essa pessoa?
ML: Deve se atentar aos sinais e excessos em relação ao controle: possessividade, ciúmes, violência, agressividade e o próprio desconforto que sente na relação. Ao perceber que está sofrendo um abuso é fundamental buscar ajuda nas delegacias especializadas e, principalmente, apoio psicológico. Afinal, a pessoa que rompe um relacionamento deste é uma pessoa que está com sua autoestima bastante fragilizada, além de vários traumas psicológicos. Necessário também o apoio da rede de assistência familiar e de amigos.

7 - Como uma vítima de violência doméstica pode superar o medo de denunciar ou de voltar a ter um relacionamento? Como o tratamento com psicólogos ajudam neste sentido?
ML: É muito difícil superar o medo que deixa cicatrizes violentas na mulher que vive a violência doméstica e familiar, mas o tratamento psicológico pode ajudá-la a ressignificar seus traumas e empoderá-la para que ela possa enfrentar o término do relacionamento.

8- Por quais motivos muitas mulheres ainda continuam relacionamentos abusivos e violentos? Existe alguma dependência?
ML:Existem muitas dificuldades para as pessoas acabarem um relacionamento tóxico. O próprio ciclo da violência fragiliza a mulher, que acredita que o agressor poderá mudar, visto que, após uma agressão, geralmente ele se transforma e promete mudanças. Existem fragilidades afetivas como insegurança e medo frente à incerteza do que virá. Muitas vezes, a mulher que vive em um relacionamento abusivo tem uma autoestima fragilizada e não se acha capaz de enfrentar as mudanças. Algumas questões jurídicas que levariam ao desgaste emocional da mulher fazem inclusive com que ela retire a queixa contra seu agressor.
As questões familiares relativas a filhos. As questões econômicas, tendo em vista que algumas mulheres ainda dependem economicamente do homem.

9- Quais sinais e comportamentos já demonstram que essa relação pode desencadear uma violência emocional e física?
ML: A violência familiar e doméstica contra a mulher obedece a um ciclo: ameaça – agressão – lua de mel – ameaça. Na primeira fase, de construção da tensão, ocorrem ciúmes, ameaças, agressões verbais, mas a mulher acredita poder controlar a situação; na fase seguinte, surgem as violências mais graves, que tornam a situação inadministrável; entretanto, na terceira e última fase - também chamada de fase da lua de mel -, o homem se mostra arrependido e promete que não repetirá as agressões.O comportamento da parte, após a fase da lua de mel, na qual promete não cometer mais uma violência, recomeça com ameaças e comportamentos ainda mais violentos. É necessário que a mulher tenha conhecimento e coragem para quebrar esse ciclo.

10- Como a mulher pode lidar com essa situação para evitar que gere casos de violência?
ML: A mulher precisa desconstruir algumas culturas e crenças enraizadas de que o uso de drogas e álcool legitimam o comportamento violento dos agressores. Nestes casos, as mulheres fazem uma reavaliação da atitude agressiva do companheiro, colocando-o na situação de irresponsável devido a sua “fragilidade” de alcoólatra ou dependente químico. É preciso que a mulher supere o medo. Esse sentimento paralisa e impede a mesma de buscar ajuda. As vítimas precisam ter uma autopercepção de suas características e direitos e se empoderar, evidenciando seus próprios valores, mostrando-se comprometidas com ações que possivelmente favoreceriam a quebra do ciclo de violência.
 

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