Universidade Federal de Sergipe é alvo de denúncias de racismo
Professor aprovado em concurso teria sido preterido por ser negro e candomblecista Cotidiano | Por Aline Aragão 01/05/2021 10h15 - Atualizado em 01/05/2021 12h44A Universidade Federal de Sergipe (UFS) virou o centro das atenções no mundo acadêmico nacional, em torno de uma decisão tomada pelo Conselho Departamental de Direito (DDI) esta semana que, segundo as denúncias, teria preterido o candidato aprovado em concurso público, o professor doutor Ilzver de Matos Oliveira, supostamente por este ser negro e candomblecista.
No lugar do aprovado no concurso, o Conselho do DDI decidiu, por 11 votos a cinco, pela abertura prévia de edital de remoção, solicitado por um professor lotado no Campus de Itabaiana que, segundo as denúncias, não possui título de doutor, requisito para ingressar na vaga.
Várias manifestações de professores da UFS e de outras universidades do país, assim também como de entidades, têm denunciado a situação como crime de racismo e intolerância religiosa e exigido a nomeação de Ilzver.
F5 News conversou com o professor Ilzver, que agradeceu todas as manifestações, mas prefere silenciar no momento. Por meio de nota, amparado por uma assessoria jurídica, o professor disse que aguarda a publicação da ata de reunião realizada pelo Conselho Departamental do Curso de Direito em 28 de abril passado.A partir de então, analisará a fundamentação adotada pelo conselho e tomará as medidas cabíveis, ressaltando desde já que "a preterição de seu nome para vaga não encontra subsídios jurídicos nas leis da República e tampouco na jurisprudência dos tribunais superiores”.
A DDI/UFS também se manifestou por meio de nota e afirmou que, diante da abertura de vaga decorrente de aposentadoria, resolveu convocar o segundo candidato aprovado no concurso do edital número 011/2019, mas que, no trâmite do procedimento, recebeu o requerimento de um professor efetivo da área jurídica, atualmente lotado no curso de Ciências Contábeis do Campus de Itabaiana, solicitando o cumprimento da resolução 50/2015, que regulamenta o processo interno de remoção de servidores.
O DDI diz ainda que foram realizadas reuniões extraordinárias do Conselho Departamental nos dias 22 e 28 de abril de 2021, com manifestações orais e escritas dos interessados e com posterior deliberação dos membros.
Disse também que a procuradoria jurídica da UFS foi consultada e apresentou parecer técnico suplementar para subsidiar os debates. “A primeira reunião foi encerrada, por decisão unânime, sem deliberação do mérito, para que todos pudessem estudar as teses e pareceres apresentados. Na última deliberação, o Conselho por maioria dos votos, decidiu pela aplicação da resolução, com a consequente abertura prévia de edital de remoção”.
“O Departamento de Direito reafirma seu compromisso com respeito à legalidade e à transparência sem fazer concessões e qualquer tipo de manifestação de intolerância ou discriminação. Sempre valorizou a pluralidade de ideias e o debate livre respeitoso, que marcam os processos de tomada de decisão no âmbito de sua competência”, diz a nota.
F5 News ainda não conseguiu contato com o professor que pediu o edital de remoção.
Entenda
No último dia 28, o conselho do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe decidiu, por maioria, pela não convocação do candidato aprovado em segundo lugar no Edital nº 011/2019, aprovado em primeiro lugar na categoria de cotas raciais, o professor Ilzver de Matos Oliveira.
Após a homologação do concurso público, no qual foi aprovado em segundo lugar pela ampla concorrência e em primeiro lugar pelas cotas, conforme a Lei 12.990/2014, houve a posse do primeiro colocado. Com surgimento de vaga decorrente de aposentadoria, em março de 2021, o Conselho Departamental de Direito da UFS decidiu por unanimidade pela convocação do professor doutor Ilzver de Matos, nos termos da lei, encaminhando memorando à Pró-reitoria de Gestão de Pessoas - PROGEP.
Em abril de 2021, chegou à PROGEP pedido de abertura de edital interno de remoção na UFS, por professor mestre em Direito atuante no Curso de Ciências Contábeis, interessado na sua remoção para o Departamento de Direito/Campus de São Cristóvão (Sede). A Pró-reitoria de Gestão de Pessoas encaminhou o pedido, junto com o memorando do Conselho Departamental de Direito que pedia a convocação do segundo candidato aprovado em concurso, para parecer do procurador federal junto à UFS, Paulo Celso Rêgo Leó, e para a professora doutora Jussara Jacintho, relatora do processo, tendo sido ambos favoráveis à convocação do candidato aprovado em concurso público e contra a abertura de edital de remoção.
O Conselho Departamental do Curso de Direito/UFS preteriu a decisão colegiada, do procurador e da relatora, que foram favoráveis a nomeação de Ilzver Matos, e acatou o pedido de abertura de edital de remoção solicitado pelo ex-Pró-Reitor.
Manifestações a favor de Ilzver
A técnica em Educação da UFS e ex-membro do Colegiado da Leitura - CNPQ/MinC Mariarrose Nascimento chama atenção para o fato de que o ex-pró-reitor não é doutor, o que seria pré-requisito para assumir o cargo e denuncia:
“Em 2019, o Departamento de Direito da UFS lançou edital de remoção, como havia feito também em 2017. Em ambos, não houve inscritos. Realizou-se, então, o concurso e o primeiro colocado foi nomeado.
A situação mais estranha, entretanto, é que o DDI/UFS não tem realizado concurso na última década que não seja para doutores. Assim, o requerente do edital de remoção, que é mestre, não se inscreveu em 2017 ou 2019.
Aqui, abro um parêntese. Faz mais de 10 anos que o professor de Contábeis solicitou afastamento para se doutorar na Argentina. Em 2015, a UFS publicou a Portaria 703, de 23 de abril, fixando prazo para o docente terminar seu doutoramento, algo que ainda não ocorreu - o que ocasionou processo para a devolução dos valores recebidos durante o afastamento.
Ora, se o DDI/UFS tem cumprido rigorosamente a lei federal do ingresso de doutores, tanto nos concursos como nos editais de remoção, por que motivo o docente de Itabaiana insiste que ele teria direito sobre a vaga mesmo sem ser doutor?
O procurador da UFS não viu ilegalidade nos procedimentos do DDI. A relatora do caso também argumentou em favor da nomeação do candidato aprovado em concurso, mas no momento da votação a maioria dos conselheiros, que antes votaram pela nomeação, optaram por atender ao pedido do professor do campus de Itabaiana e solicitar abertura de edital de remoção.
Resumindo: se o DDI/UFS convocou o candidato do concurso, por unanimidade, e recebeu parecer positivo do procurador da UFS e da relatora do processo, sabe que não há justificativa para abrir um edital para mestre, sob pena de favorecimento ao requerente, qual seria, então, o motivo para que não se confirme imediatamente a nomeação do candidato aprovado em concurso com todos os requisitos exigidos?
Esperar que o professor mestre, após 10 anos, finalmente, conclua seu doutorado? Ou ganhar tempo para que o prazo do concurso do professor Ilzver expire?
É preciso destacar aqui que se trata de candidato negro, candomblecista, estudioso dos direitos humanos e das religiões de matriz africana? Certamente, os 11 votos pelo requerimento do professor Uziel têm algo a explicar à sociedade sergipana e à comunidade acadêmica.”
Confira na íntegra a nota de repúdio assinada por professores e pesquisadores da área de Ciências Sociais e Humanidades e que está coletando assinaturas de professores e entidades em todo país.
De acordo com o professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutor Edgilson Tavares, que articulou o documento, em menos de 24h já foram conseguidas mais de 1242 assinaturas a favor da nomeação de Ilzver.
Os(as) professores(as) e pesquisadores(as) na área de Ciências Sociais e Humanidades junto com militantes de movimentos sociais, signatários(as) deste documento, vêm veementemente repudiar e manifestar indignação sobre o explícito caso de arbitrariedade na Administração Pública, racismo institucional e religioso, ocorrido com o Prof. Dr. Ilzver de Matos Oliveira, negro, candomblecista, aprovado em primeiro lugar como cotista no concurso público para docente do magistério superior, nos termos do Edital nº011/2019 da Universidade Federal de Sergipe / Centro de Ciências Sociais Aplicadas / Departamento de Direito.
O professor é grande referência na defesa dos direitos humanos e combate a intolerância religiosa, com sólida formação como pós-doutor e doutor em Direito, bem como pesquisador e extensionista de excelência reconhecida pela sua produção acadêmica e tecnológica, premiado por órgãos nacionais e estaduais pela sua relevante atuação.
Após a homologação do concurso público, no qual foi aprovado em segundo lugar pela ampla concorrência e em primeiro lugar pelas cotas, conforme a Lei 12.990/2014, houve a posse do primeiro colocado. Com surgimento de vaga decorrente de aposentadoria, em março de 2021, o Conselho Departamental de Direito da UFS decidiu por unanimidade pela convocação do Prof. Dr. Ilzver de Matos, nos termos da lei, encaminhando memorando a Pró-reitoria de Gestão de Pessoas - PROGEP. Em abril de 2021, chegou à PROGEP pedido abertura de edital interno de remoção na UFS, por professor Mestre em Direito atuante no Curso de Ciências Contábeis, interessado na sua remoção para o Departamento de Direito/Campus de São Cristóvão (Sede). A Pró-reitoria de Gestão de Pessoas encaminhou o pedido, junto com o memorando do Conselho Departamental de Direito que pedia a convocação do segundo candidato aprovado em concurso, para parecer do Procurador Federal Junto à UFS, Paulo Celso Rêgo Leó e para a Profa. Dra. Jussara Jacintho, relatora do processo, tendo sido ambos favoráveis à convocação do candidato aprovado em concurso público e contra a abertura de edital de remoção.
Como dito, o docente que requereu a abertura de edital de remoção é concursado e trabalha num Campus da UFS do interior (Itabaiana), tendo atuado como pró-reitor de Extensão no período de intervenção da universidade devido à não nomeação dos candidatos vencedores da consulta pública pelo Presidente da República e indicados na lista tríplice. Também é presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos.
De modo estranho e arbitrário, no dia 28/04/2021, o Conselho Departamental do Curso de Direito/UFS, certamente composto por docentes com exímio conhecimento quanto a ilegalidade da violação ao direito à nomeação de candidatos aprovados e homologados em concurso público, preteriu sua decisão colegiada, do Procurador e da Relatora que foram favoráveis a nomeação de Ilzver Matos. Foi acatado o pedido de abertura de edital de remoção solicitado pelo ex Pró-Reitor, ferindo o regramento jurídico e administrativo, lesionando o direito adquirido pelo professor legitimamente concursado.
Desde então, o caso tem sido denunciado amplamente, inclusive sendo feita referências a situações similares que o referido Conselho já passou e agiu respeitando os princípios legais e acadêmicos que devem nortear a universidade pública. Porém, sabe-se que neste caso tratavam-se de docente também competente, legitimamente aprovada por seus méritos acadêmicos, mas branca, de classe alta e com famílias influentes.
Num momento de ascensão do negacionismo, ataques à ciência e às universidades, prevalência do ódio e suas manifestações em vários tipos de preconceitos e discriminações, não podemos tolerar que tal fato ocorra em qualquer instituição pública, muito menos em uma Instituição Federal de Ensino Superior. Abrir precedente para a arbitrariedade administrativa, motivada por ideologias políticas, racismo estrutural e/ou intolerância religiosa é, no mínimo, mais uma afronta criminosa à democracia.
A universidade deve ser respeitada enquanto lugar por excelência da pluralidade de pensamentos, das diversidades e do cumprimento dos princípios da Administração Pública. Entendemos que o Conselho Departamental de Direito, o Centro de Ciências Sociais Aplicadas e o Conselho Universitário da UFS devem cumprir com o seu papel, não permitindo qualquer desrespeito ao Direito e a Ordem Jurídica, tampouco qualquer tipo de discriminação.
Afirmamos nosso total apoio em todos os procedimentos administrativos e jurídicos que se façam necessários para que a justiça seja feita respeitando a legalidade, para a garantia da convocação e nomeação do Prof. Dr. Ilzver de Matos Oliveira, para a vaga que lhe é de direito. É preciso ainda que sejam tomadas as devidas medidas administrativas pela UFS.
Justiça e nomeação para Ilzver de Matos! Não ao racismo institucional e religioso nas universidades públicas!