“Experiência presencial é fundamental para artes cênicas”, diz artista circense
Paula Auday comenta o panorama do circo em Sergipe e como ele se mantém vivo e forte Cotidiano | Por Monica Pinto 18/08/2024 16h00A sergipana de Aracaju Paula Auday divide-se entre atividades enriquecedoras do espírito humano. De um lado, graduada em Filosofia pela Universidade Federal de Sergipe, é professora da disciplina e também de Artes na rede pública do Estado.
De outro lado, para além da teoria, Paula mergulha nesse universo na prática. Professora efetiva de Técnicas Circenses, área na qual possui formação técnica, lecionando na cidade de Nossa Senhora do Socorro, na Grande Aracaju, ela é ainda diretora da própria companhia, a Cigari – Cia. Gentileza de Artes Integradas -, na qual exercita seus pendores e treinamento em acrobacia aérea e de solo, malabares e palhaçaria.
Na esfera sindical, a artista atua como coordenadora de Artes Cênicas no Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado de Sergipe, o aguerrido Sated, com a base sólida de 18 anos de carreira profissional, na qual atuou em 30 espetáculos e dirigiu dez, entre Teatro e Circo. Em Sergipe, trabalhou em grupos como Stultifera Navis, Atualona, Raízes e Risos e Lágrimas e, fora do estado, nos circos Trindade, de Pernambuco, e Barcelona, de Campina Grande (PB).
Aos 34 anos, Paula Auday ainda encontra tempo para se dedicar a pesquisas nos campos de Filosofia da Arte, Artes Cênicas e Direção Teatral. A multifacetada artista conversou com F5 News. Confira a entrevista.
F5 News - Qual a situação da atividade circense hoje em Sergipe?
Paula Auday – Hoje nós temos um cenário diverso e amplo no circo em Sergipe, com vários grupos no que é chamado de circo urbano, que são grupos de circo, companhias, que não têm uma lona, mas são de circo pois desenvolvem as atividades. Eles não têm espaço específico, só alguns, na verdade, mas desenvolvem oficinas, apresentações diversas, entre números e espetáculos.
F5 News - No passado, havia pequenas trupes que se apresentavam em bairros de Aracaju e cidades do interior. Esse tipo de espetáculo mambembe, de produção simples ou inexistente, ainda resiste?
Paula – Sim, temos grupos, no caso famílias de circo, itinerantes, que rodam o estado. Nós temos, principalmente em Aracaju, o Circo Gold Star, que possui mais de 25 anos aqui dentro do nosso estado, com uma família de circo que tem essa perspectiva mesmo, itinerante, nômade, apresentando-se nas praças da maioria dos municípios, mas principalmente na Grande Aracaju, que aí abrange Barra dos Coqueiros, Socorro, São Cristóvão e Aracaju também.
Esses circos itinerantes têm essa perspectiva nômade, de vida mesmo, na verdade é um modo de vida que é justamente você não ter um espaço físico. Além das famílias de circo itinerante, nós também temos os artistas itinerantes, que são aqueles que, muitas vezes, não são daqui do estado, eles estão de passagem e aí fazem no sinal, fazem alguns eventos, mas principalmente toda a renda deles vem a partir do sinal.
F5 News - Há algum tipo de formação profissional circense em Sergipe para quem quiser trabalhar no ramo?
Paula – A formação de circo é uma formação técnica, em todo o Brasil você não vai encontrar uma escola de nível superior de circo, você vai encontrar, por exemplo, a Escola Nacional de Circo, que é no Rio de Janeiro, você vai ter outras escolas, principalmente no Nordeste, de circo.
Em Aracaju nós temos a Aldeia Circo, que oferece oficinas de formação em circo, de acrobacia, malabares, acrobacia aérea, e nós temos, também, funcionando lá, a Oficina da Valdice Teles, da Escola de Artes Valdice Teles, que é vinculada à Funcaju [Fundação Cultural Cidade de Aracaju] e que também oferece oficinas de circo lá na Aldeia Circo.
F5 News - Num mundo cada vez mais virtual e cheio de recursos multimídia, as crianças ainda mergulham na magia do circo?
Paula – O circo tem um atrativo muito único, porque ele oferece ao espectador, ao público, não só a experiência artística, mas também, vinculada à experiência artística, essa experiência do virtuoso e das atividades sobre-humanas, seja um malabarista que consegue equilibrar ou manipular sete objetos ou um acrobata que tem uma desenvoltura com o corpo capaz de dar milhões de piruetas e domínios de um aparelho aéreo, ficar fora do chão a dez metros de altura.
Então, o circo ainda - e espero que durante mil anos - continue oferecendo atrativos, eu acho que sim, principalmente às crianças, não só nos espetáculos, mas também nas oficinas. E não tem ninguém que resista a um bom palhaço, não só crianças, como adultos também.
F5 News - Como manter a atenção e o encantamento do público nesse panorama de grandiosidade e aceleração nascido da internet?Paula – A internet é uma ferramenta e eu acho que a gente tem que ter isso em mente, que isso é muito importante para a arte e para várias outras áreas de desenvolvimento humano. Mas que ela é uma ferramenta, ela não deve ser a principal ferramenta ou a única ferramenta de entretenimento e de produção, de multiplicação artística. Então o que eu indico, que é o que eu faço com meu filho e eu, enquanto artista, também consumo arte, levo meu filho para ver espetáculos, ver ao vivo, que as artes cênicas têm esse poder, elas ocorrem na frente do público, elas necessariamente precisam do público para existir.
É importante oferecer, para que as pessoas vejam o que está sendo construído e produzido artisticamente, tenham aquela experiência e possam, a partir daquela experiência, dizer “nossa, isso aqui é diferente”. Isso é diferente da internet, diferente daquilo que você vê no celular ou na TV, a experiência física e presencial é fundamental para esse tipo de arte que nós fazemos.
F5 News – Mas como remar contra a maré da estagnação frente às telas?
Paula - Você quer fazer um movimento contra a maré tecnológica, ou de uso abusivo da tecnologia? É viver o mundo real, é levar justamente as crianças, os adultos, adolescentes, para ver circo, para ver teatro, para ver dança, ver ao ar livre, em praças, no circo pequeno mesmo, de bairro, levar esses adolescentes, crianças e adultos também. Todo mundo ama ver arte, todo mundo se sente tocado por ela. Então é isso, consumir, estar atento ao que existe na nossa cidade e aproveitar isso.
F5 News - Dá para viver da atividade circense em Sergipe?
Paula – Dá, sim. Nós precisamos de mais promoção, de mais incentivo para que esse viver seja um viver mais pleno. Mas sim, aí você vai se desdobrar entre apresentações, oficinas, workshops, intervenções, vai fazer várias atividades ao redor disso, mas é possível, sim, viver da arte no nosso estado.
F5 News - o que poderia, na prática, ser um incentivo eficaz em termos de políticas públicas?
Paula – Hoje nós não temos um espaço específico para prática, desenvolvimento de pesquisas, apresentações; não temos um espaço físico, mesmo, de troca entre os circenses. E esse seria um grande incentivo, não só porque, a partir dele, podemos construir, pesquisar, treinar, como também ele pode vir a se tornar uma primeira escola pública de circo, uma escola de formação de circo gratuita, então isso também é um caminho, não só de fortalecer a profissão dos artistas que já existem, mas também construir, abrir caminho para que novos artistas surjam, para que essa prática não desapareça. Acredito que isso é muito difícil, porque o circo continua encantando e tocando as pessoas, mas, dentro da nossa cidade, principalmente falando no âmbito de Aracaju, hoje nós precisamos de um espaço específico para conjunção de prática circense.