Vale a pena investir em marketing para turistas americanos com a retomada do visto para eles?
Somos um exemplo de país com vocação turística que se conformou em ser exportador de turistas e de empregos no setor Blogs e Colunas | Passos Pelo Mundo 28/08/2023 19h40 - Atualizado em 28/08/2023 19h50O atual governo tem batido muito na tecla da divulgação turística do Brasil com S. E recentemente a Embratur iniciou a veiculação de uma campanha publicitária digital com enfoque no mercado dos Estados Unidos, segundo maior emissor de turistas para o Brasil. E mesmo em um país de língua inglesa, a Embratur optou por escrever o Brasil com S. As peças da campanha fazem um jogo de palavras que representam o Brasil e, em inglês, iniciam com a letra S, e comparam as curvas do S com a sinuosidade dos rios e da paisagem dos cartões postais.
Ao ver essa campanha no Instagram da Embratur, me veio à mente o retorno da obrigatoriedade de visto para americanos entrarem no Brasil. Fui ler os comentários. Uma pessoa defende que a campanha venha acompanhada do “ensinamento de como tirar o visto para o Brasil”. Outro elogiava a iniciativa do governo brasileiro de retomar vistos de entrada para cidadãos dos Estados Unidos, Japão, Austrália e Canadá, em defesa da soberania nacional.
E a pergunta: será que essa campanha será eficaz? O fato é que a concorrência pelo turista americano é muito grande. Ao lado da China, os EUA são os maiores emissores mundiais de turistas. Esse tema, inclusive, divide o próprio governo. O presidente da Embratur, Marcelo Freixo, já declarou publicamente a sua posição contrária à retirada da isenção do visto.
A meu ver, isso só aprofunda o fato de sermos um exemplo de país com vocação turística que se conformou em ser exportador de turistas e de empregos no setor turístico. O México, a República Dominicana, a Costa Rica, a Colômbia, o Peru e a Argentina, que não exigem visto de norte-americanos, agradecem! Afinal, se os turistas terão que tirar um visto para passear como turistas no Brasil, isso só acrescenta uma barreira de entrada, que os nossos países vizinhos não tem. Ponto pra eles.
Aqui vale destacar que os americanos exigem visto de visitantes por causa do potencial de entrada de imigrantes ilegais e isso não afugenta o turista que tem no seu imaginário a Disney, outlets, Nova York… Inclusive porque os Estados Unidos já é um país consolidado e desenvolvido no Turismo. Por outro lado, é muito raro encontrar um americano que tenha tamanha determinação de viajar ao Brasil. O país é visto como um lugar exótico, mas também perigoso, com pouca infraestrutura e caro. O americano enxerga a América Latina como um grande borrão.
Mas uma coisa é certa: Cancún não existiria se o México retaliasse os americanos com exigência de visto de entrada. E não só Cancún: o México tem hoje uma coleção de destinos que não dependem do mercado interno para prosperar. E os mexicanos ganham não só os empregos gerados pelo turismo estrangeiro, como a possibilidade de viajar com melhor infraestrutura pelo seu próprio país. Afinal, receber turista americano é certeza de movimentação de dinheiro. Turistas que, historicamente, costumam gastar muito quando viajam, e em dólar.
Menos burocracia: mais turismo
Para relembrar… O fim da obrigatoriedade do visto em 2019 fez com que aumentasse o número de turistas no Brasil. Os quatro países beneficiados enviaram quase 80 mil turistas a mais para o Brasil do que o previsto. Isso claro durante os oito meses em que a medida vigorou antes de ser decretada a pandemia, o que afetou de forma mais direta o setor de turismo.
Atualmente, os Estados Unidos são o segundo país em envio de turistas para o Brasil, principalmente por meio aéreo – e fica atrás somente da Argentina. De acordo com estudo da CNC (Confederação Nacional do Comércio, Serviços e Turismo), em 2022, entraram no País 441 mil estadunidenses, 54,2 mil canadenses, 25 mil australianos e 17,6 mil japoneses, os quais respondem por cerca de 15% do total de turistas que ingressam em terras brasileiras.
Com esse número, cai por terra a argumentação do Ministério das Relações Exteriores que a isenção de visto não representou um aumento nas vindas desses turistas. E os números só não foram maiores por causa da pandemia. Lembrando que americanos gastam em dólar.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores, a volta com a obrigatoriedade é em respeito ao princípio da reciprocidade, visto que os países contemplados com o decreto exigem vistos para brasileiros. Mas o Brasil é um dos pouquíssimos países do mundo a usar a reciprocidade diplomática.
Um detalhe importante é que a isenção de visto estava preparando o campo para que ações de promoção fossem mais efetivas e, no médio prazo, o Brasil conseguisse realizar o seu verdadeiro potencial nesses mercados. Assim, perdemos a chance de ser um grande destino turístico nos próximos anos e os empregos serão gerados em outros países menos burocráticos. Por isso, na minha visão essa campanha não leva a lugar nenhum.
A campanha
O slogan central é “It’s Spectacular. It’s Brasil”, mas, a cada peça, há uma nova palavra iniciada em S para falar do Brasil, como Sustainable (sustentável), Sunny (ensolarado), Scrumptious (esplêndido) e Sambalicious (trocadilho que une Samba e Delicious – neologismo usual nos EUA para qualificar coisas que são positivas, emocionantes, inspiradoras). A nova campanha publicitária da Embratur conta com a parceria do Sebrae e ficará no ar até dia 10 de agosto.
O carro-chefe da campanha é um filme de 30 segundos (você encontra o link da campanha no final deste artigo). Nele, aparecem as experiências turísticas encontradas no Brasil em diferentes cenários: praia, natureza e cidades. Outros quatro vídeos de 15 segundos retratam os principais segmentos turísticos ligados ao Brasil: cultura, gastronomia, sol e praia, e ecoturismo.
A campanha mostra 10 destinos turísticos do Brasil: Rio de Janeiro, Manaus, Salvador, Foz do Iguaçu, Fernando de Noronha, Belém, Chapada dos Veadeiros, Natal e Pipa, Pantanal e Fortaleza e Jericoacoara. A escolha foi feita após levantamento de dados e cruzamento de informações, como, por exemplo, os segmentos que mais atraem turistas dos EUA, os destinos já tradicionalmente procurados pelo público-alvo e com malha aérea disponível, considerando o menor tempo de deslocamento.
Aí o turista americano vê essa campanha, pode até se empolgar, mas como em regra eles visualizam a América Latina como um verdadeiro borrão, as cataratas do Iguaçu podem ser visitadas via Argentina, a Amazônia via Colômbia. A Costa Rica acaba substituindo também por ser um roteiro com foco em turismo de natureza. É importante primeiro consolidar o Brasil como destino turístico e desenvolver o nosso país para depois buscar a reciprocidade diplomática. Ainda não estamos em uma briga de iguais – e é preciso entender isso.
Por fim, eu me pergunto: Qual é a razão de investir tanto dinheiro em marketing se aumentam as barreiras de entrada para os turistas que mais gastam nos destinos?
Carla Passos é Jornalista, especializada em Turismo e apaixonada por história, flores, textos e coisas inspiradoras. Adora sol, mar, fotografia, doce da padaria, dançar, e sonhar… Na infância, ainda morando em Salvador, meu principal hobbie era ir ao aeroporto ver os aviões partirem. Eu sempre dizia que um dia eu estaria dentro daqueles aviões. Antes de completar 15 anos, eu dizia aos meus pais: não quero festa, quero viajar de avião para o Rio de Janeiro. Foi minha primeira viagem de avião! Trabalhei anos com essa editoria, mas atualmente estou na editoria de política, minha segunda paixão. Assim o turismo virou um hobbie. E de lá pra cá já conheci quase todos os estados do Brasil e 25 países.
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