Psicóloga de Sergipe analisa danos dos jogos online a crianças e adolescentes
Marília Machado mostra como pais e responsáveis devem atuar contra o risco de vício Cotidiano | Por Monica Pinto 12/10/2024 19h50 - Atualizado em 12/10/2024 19h53No início deste outubro, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, declarou que a pasta está atuando de modo a combater a publicidade de apostas esportivas online voltada para crianças e adolescentes. “A Secretaria de Defesa ao Consumidor [Senacom] está notificando os provedores para que não existam propagandas de apostas dirigidas a crianças e adolescentes e para que influenciadores não possam também apresentar esse tipo de atividade, porque o Estatuto da Criança e Adolescente proíbe isso”, disse o ministro.
Se ações vão sendo conduzidas para fazer frente ao que já se mostra um problema de saúde pública – e de impactos negativos possivelmente duradouros em várias esferas, inclusive a econômica -, ainda há muito desconhecimento sobre o vício em jogos eletrônicos, embora muitas famílias brasileiras já venham sofrendo por conta dele. F5 News foi buscar mais informações sobre esse tema que hoje mobiliza a sociedade, o Governo e a Justiça, com a psicóloga Marilia Prado Machado, graduada pela UFS, especialista em Terapia Cognitivo Comportamental. Ela tem experiência de 14 anos na Psicologia Clínica e atua como Analista Judiciária em Psicologia no Tribunal de Justiça de Sergipe há 17 anos. Confira!
F5 News - Que efeitos e riscos o acesso a jogos de azar pode ter sobre crianças e adolescentes?
Marília Prado Machado - Os efeitos e riscos em crianças e adolescentes podem ser ainda mais prejudiciais do que em adultos por alguns motivos. Nessa fase da vida o cérebro ainda não está totalmente desenvolvido, especialmente o córtex pré-frontal, área responsável pelo controle de impulso e tomada de decisões, e a imaturidade cerebral pode torná-los mais facilmente dependentes. Outro ponto é o repertório de experiências que será menor do que no adulto, tornando-os mais vulneráveis por, a priori, compreender menos e dispor de menos estratégias de enfrentamento das dificuldades.Os riscos podem ser dos mais variados, desde o prejuízo na saúde mental de crianças e adolescentes, incluindo sintomas ansiosos e depressivos, bem como o impacto psicológico na autoestima. A perda de dinheiro, a dificuldade de parar a compulsão, o prejuízo nas relações interpessoais e a queda no desempenho escolar afetam a autoconfiança e a autoimagem dos jovens, gerando neles menos senso de autoeficácia. Sentindo-se menos capazes para lidar com as demandas rotineiras, esses seres em formação passam a evitar experiências que poderiam ser saudáveis e promotoras de aprendizagem, o que gera um círculo vicioso que alimenta a baixa autoestima.
E quando se fala em crianças e adolescentes, o tempo e a energia gastos em jogos de azar e a busca constante por gratificação instantânea pode levar a uma diminuição do foco em objetivos de longo prazo, como os estudos, gerando uma queda no desempenho escolar. Tal situação pode gerar um impacto significativo não somente para o presente, mas também para o futuro desse ser que ainda está em formação.
F5 News – Quando o hábito de jogar se caracteriza como vício e, portanto, doença?
Marília - O vício em jogos de azar é uma doença classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS): a ludopatia. A dependência é causada pela ativação do sistema de recompensa do cérebro, que ao liberar picos de dopamina (neurotransmissor) gera sensação de prazer que reforça a compulsão, aumentando os níveis de excitação, reduzindo a inibição de decisões arriscadas ou uma combinação de ambos.
Surgem as ocorrências de conflitos entre os adultos e os jovens afetando a dinâmica familiar e causando estresse e distanciamento afetivo. Pode ocorrer também uma necessidade de angariar recursos financeiros para manter o hábito de jogar. Tal situação pode levar os jovens a recorrer a atividades ilegais, aumentando a probabilidade de envolvimento em infrações.
F5 News - Como os pais podem e devem esclarecer os filhos quanto aos potenciais danos, além de impedir o uso de recursos financeiros para que consigam fazer apostas nesses sites de jogos de azar?
Marília - É essencial estabelecer uma relação de diálogo com os filhos, colocando-se disposto principalmente a ouvi-los. Em um ambiente de fácil comunicação, desde cedo os pais podem conversar sobre comportamentos aditivos, tais como jogar, discutindo as consequências e perigos desses comportamentos. Ademais a partir da conversa e da disponibilidade para a escuta, os responsáveis podem estabelecer uma relação de confiança com a criança/adolescente em que eles se sentem seguros para falar sobre as questões de jogos, suas dúvidas e angústias, bem como os adultos podem perceber sinais desde o início desses problemas, antes que piorem.
Importante também se faz educação e orientação quanto à existência da pressão social, principalmente quando a criança começa a adentrar a puberdade. Nessa fase, elas sentem necessidade de seguir os pares para se sentirem aceitas e pertencentes. Um ambiente familiar saudável e aberto à comunicação pode ajudar os jovens a lidar com essa pressão, desenvolvendo resiliência, habilidades de resolução de problemas e de relacionamento interpessoal. Uma ajuda profissional especializada também pode ser muito útil nessa orientação e preparo.
F5 News – Como fazer restrições dentro de um acesso tão fácil à vida digital?
Marília - Além de um ambiente fomentador de diálogo, os responsáveis devem estabelecer regras claras e limites para o uso de celulares e computadores e monitoramento do acesso à internet, sendo essencial a constância da supervisão e monitoramento dos filhos nessas atividades online. Nesse sentido, é importante que os pais deem o exemplo modelando comportamentos positivos de uso de eletrônicos, de uso responsável de dinheiro e de comportamentos saudáveis para a diversão.
Dessa forma, também os responsáveis devem incentivá-los a participar de atividades saudáveis e que envolvam a interação social e momentos ao ar livre, como esportes, brincadeiras, passeios, etc.
Quanto a impedir o uso de recursos financeiros, faz-se ainda mais relevante a prevenção, através da educação financeira aos filhos.