Projeto em construção: abolição da escravatura precisa ser conquistada | F5 News - Sergipe Atualizado

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Projeto em construção: abolição da escravatura precisa ser conquistada
Aos 135 anos, a libertação marca resistência contra o racismo e em prol de direitos
Cotidiano | Por F5 News 13/05/2023 11h00


Neste sábado (13) se completam 135 anos desde a abolição da escravatura no Brasil, que aconteceu em 1888, através da Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel. Por meio deste decreto, mais de 700 mil escravizados conseguiram a liberdade e isso foi resultado de mobilizações abolicionistas dos próprios escravizados e de pessoas que compactuavam com essa causa humanitária. Ainda assim, o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão.

Apesar da data possuir um significado relevante para os pretos, existe uma discussão sobre a sua eficácia, já que, mesmo com a libertação oficializada, não houve uma assistência ou movimento para que essa população se integrasse à sociedade.

Na obra “A integração do negro na sociedade de classes”, o escritor e sociólogo Florestan Fernandes resume o cenário imediatamente posterior à abolição da escravatura.

“A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho”.

Numa sessão plenária comemorativa aos 110 anos da Lei Áurea, em 1998, o primeiro senador negro, o escritor, dramaturgo e professor Abdias Nascimento, lembrou a situação dos libertos, que não receberam qualquer apoio para sua integração à sociedade e ao exercício da cidadania. “No dia 13 de maio de 1888, negros de todo o país puderam comemorar com euforia a liberdade recém-adquirida, apenas para acordar no dia 14 com a enorme ressaca produzida por uma dúvida atroz: o que fazer com esse tipo de liberdade? Para muitos, a resposta seria permanecer nas mesmas fazendas, realizando o mesmo trabalho, mas sob piores condições. Não sendo mais um investimento, o negro agora era livre para escolher a ponte sob a qual preferia morrer”.

 

Essa situação não se manteve no século passado, ela ocasionou reflexos negativos que se perpetuam na sociedade. Em entrevista ao F5 News, a socióloga e filósofa Mayra Santos, ativista da Unegro/SE, defendeu  a importância de celebrar o dia 13 de maio como forma de resistência, uma vez que ainda existe muito a ser conquistado quanto aos direitos e mesmo à liberdade dos pretos.

 “A abolição da escravatura no Brasil é um projeto em construção e que precisa diariamente ser validado, visto que ainda vivemos numa sociedade extremamente racista e sem consciência racial”, disse ao F5 News.

“É difícil se manter forte quando, ao entrar em qualquer estabelecimento precisamos tomar cuidado com os movimentos que fazemos em direção a nossa bolsa/mochilas ou bolsos de roupas, para não sermos parados pelos seguranças e acusados de furto”, relata Daniela Carvalho, preta, 23 anos, ao F5 News

A situação não é diferente para a estudante de Direito Rúbia Naate. “Um fato que sempre me chama atenção, é quando estou em alguma loja e sempre me confundem com vendedora, independente de uma roupa mais formal ou não. Enxergo uma situação na qual está enraizado o racismo estrutural, onde e ainda as pessoas pretas continuam sendo inferiorizadas, pela sociedade, que enxerga o ser humano pela sua cor e não por valores”, disse ela ao portal.

Empregabilidade

Mesmo que ao longo dos anos mais pessoas pretas venham ocupando cargos de poder em empresas e corporações, o racismo no país ainda se expressa principalmente no campo da empregabilidade. “Podemos perceber essas disparidades a partir da não ocupação de espaços de poder dentro dos ambientes de trabalho. Na grande maioria das vezes, os cargos de poder (que são aqueles de mais prestígio e mais bem remunerados) tendem a ser ocupados por pessoas brancas”, disse a ativista Mayra Santos ao F5 News

“Muitas vezes, as pessoas pretas até possuem uma qualificação profissional muito maior que as pessoas brancas, mas acabam sendo designadas para cargos menores. Esse cenário já foi muito pior, é fato, mas muita coisa ainda precisa ser mudada”, completa.

Uma pesquisa feita pelo Quilombo Aéreo, em parceria com a Universidade Federal de São Carlos, divulgada em março passado, apontou que não existe nenhuma mulher negra pilotando aviões no Brasil. Entre os pilotos, 97% são homens e apenas 2% são negros. Em relação aos comissários de bordo, 66% são mulheres, sendo que 5% são pessoas negras.

Daniela Carvalho também afirma que o mercado está se adaptando e evoluindo em relação a oportunidades equitativas, mas de forma lenta e seletiva. “Quando a vaga é para ocupar cargos altos, ou quando o trabalho é relacionado ao uso da imagem, a presença de negros é muito inferior, quando comparado ao de pessoas brancas”, afirmou ao F5 News. 

É comum pessoas se sentirem deslocadas no seu ambiente de trabalho devido à cor da pele, e até mesmo se sentirem desvalorizadas. “Senti a indiferença quando ingressei no mercado de trabalho, por ter pensamentos diferentes de pessoas que me lideravam, cujos pensamentos vinham de uma linha ideológica do racismo. Dessa forma me senti deslocada”, disse Rúbia ao F5 News

Mesmo passados 135 anos desde que a escravidão foi abolida, ela perdura na atualidade, expressa por condições degradantes de trabalho, jornada exploratória, submissão a trabalhos forçados, entre outros aspectos. Só neste ano, 523 vítimas de trabalho análogo à escravidão foram resgatadas dessa condição, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Como solução para esse impasse, Mayra Santos ratifica que a educação é a chave. “É o instrumento mais eficaz para transformar essa triste realidade que nos assola. Com a educação adquirimos informações e essas informações são transformadas em conhecimento”, ponderou falando ao F5 News.

“O conhecimento, junto com a implementação de políticas públicas que tenham como objetivo garantir uma melhor qualidade de vida à população marginalizada, pode contribuir para a diminuição desse crime. Além da fiscalização e punição efetiva por parte do poder público no combate a esse crime de exploração”, completa.

Mesmo com os avanços, ainda existe muito a ser transformado na construção do imaginário da sociedade. Parafraseando o ativista norte-americano Martin Luther King, “não há nada mais trágico neste mundo do que saber o que é certo e não fazê-lo. Que tal mudarmos o mundo começando por nós mesmos?”
 

Edição de texto: Monica Pinto
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