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História
Opinião: A passagem do misterioso fotógrafo por Sergipe, 1910
Descubra a trajetória do fotógrafo baiano que registrou a Guerra de Canudos e teve sua passagem por Sergipe
Cotidiano | Por Amâncio Cardoso 24/02/2025 16h40


No Brasil do final do século XIX e início do século XX, surgiram profissionais da fotografia chamados de itinerantes. Eles passavam por várias cidades e ficavam por curto espaço de tempo, ofertando seus serviços. Assim, Sergipe foi visitado por Abílio Coutinho, João Goston, Francisco Vital e Flávio de Barros.[1] No entanto, é sobre a passagem deste último fotógrafo por Sergipe que abordaremos neste texto.

Sobre Flávio de Barros, paira ainda um certo desconhecimento de alguns dados biográficos. Sabe-se que ele foi o fotógrafo expedicionário contratado pelo Exército para cobrir momentos agonizantes da Guerra de Canudos, no sertão da Bahia, entre setembro e outubro de 1897.

Neste sentido, a vida de Flávio de Barros contém trechos ainda não desvendados por pesquisadores, a exemplo das datas e locais exatos de seu nascimento e morte. Acredita-se que ele teria nascido na Bahia por ter atuado ali como professor e fotógrafo.

No entanto, em nossas pesquisas descobrimos duas lacunas biográficas sobre ele, que até então não eram bem conhecidas, sobretudo pelo grande público. Refiro-me primeiro ao local exato onde ele atuou como professor primário; e a segunda lacuna diz respeito a sua passagem por Sergipe, agora como famoso fotógrafo, entre fevereiro e novembro de 1910.

1 – O Professor dos Sertões

Antes de ser expedicionário em Canudos, e nos legar os únicos registros fotográficos sobre o conflito, Augusto Flávio de Barros foi professor. Ele ensinou na cadeira de primeiras letras para meninos na Freguesia de Porto de Santa Maria da Vitória (atual Santa Maria da Vitória), que pertencia ao município de Rio das Éguas (atual Correntina), às margens do rio Corrente (afluente da margem esquerda do São Francisco), no Oeste da Bahia.[2]

A escola de ensino primário masculino do arraial do Porto de Santa Maria da Vitória foi criada em setembro de 1878, sendo Flávio de Barros seu primeiro professor.[3] Então, uma pergunta se impõe: teria Flávio de Barros nascido naquele arraial, ou foi para ali designado? A resposta é um desafio para novos pesquisadores.

2 – O Fotógrafo dos Sertões

No ano de 1886, oito anos após a criação da escola naquela povoação do sertão da Bahia, Flávio já não era mais professor. Ele veio se instalar na capital, Salvador.[4] Pouco mais de dez anos depois, entre setembro e outubro de 1897, um fato mudou a vida do ex-professor. Ele participou como fotógrafo expedicionário da Guerra de Canudos (1896-1897), um dos episódios mais fratricidas da História do Brasil, ocorrido nos sertões da Bahia, região muito conhecida por Flávio.[5]

Flávio de Barros havia sido contratado pelo Exército para registrar as ações militares nos últimos momentos da guerra.[6] As imagens colhidas por ele documentam o olhar do vencedor e excluem, contudo, certos aspectos hediondos do conflito, a exemplo da prática da ‘degola’ contra os Conselheiristas - seguidores de Antônio Conselheiro (1830-1897), líder do arraial de Canudos.[7]

No mesmo ano, fim de outubro de 1897, o fotógrafo vai ao Rio de Janeiro expor e vender ao público suas imagens de Canudos.[8] Na ocasião, Flávio obteve uma audiência com o então presidente da República, Prudente de Morais (1841-1902), que se mostrou satisfeito e lhe “pediu algumas explicações sobre várias das fotografias”.[9]

Quanto à exposição pública das fotos, ela ocorreu no dia 24 de dezembro de 1897, num salão da rua Gonçalves Dias, nº 46, na capital federal. As mais de seis dezenas de imagens foram expostas por “projeções fotoelétricas”.[10] A moderna exposição teve relativo sucesso e durou até fevereiro de 1898, quando Flávio desfez a sociedade “Cosmorama Campanha de Canudos” com o empresário José Edmundo de Araújo.[11] Em seguida, o fotógrafo rumou de volta para Salvador-BA.[12]

Em Salvador, Flávio manteve ao menos três endereços de estúdio no início do século XX. O primeiro na rua da Misericórdia, nº 03, a “Photographia Americana”. E depois, mudou-se para o segundo na praça Castro Alves, denominado “Photographia do Parque Americano”. E por fim, se instalou na rua do Lyceu, em frente à porta da Sé. Os três endereços ficavam no atual Centro Histórico da capital baiana.[13] Flávio ainda pretendia se sustentar com a arte realizada e reconhecida em Canudos. Afinal, ele foi o primeiro fotógrafo a cobrir uma guerra no Brasil. [14]

3 – Flávio de Barros em Sergipe

O fotógrafo de Canudos se tornou um profissional relativamente reconhecido. Neste sentido, ele buscou divulgar seu trabalho fora da Bahia. Assim, o ex-professor viajou em 1910 ao estado vizinho, Sergipe, para apresentar sua arte fotográfica.

3.1 – Em Estância

Flávio de Barros chegou na cidade de Estância, no litoral sul de Sergipe, no início de fevereiro de 1910. Recém chegado, ele visitou a redação do jornal A Razão. Nesta gazeta, também anunciou sua permanência na cidade e os serviços que prestaria: retratos de todos os tamanhos “de grupos, vistas, pic-nics, etc. Retratos coloridos ou não em porcelana ou em vidros para quadros”; além de retratos para cartão postal em papel “electrobromo”, simples ou colorido.

Flávio anunciou também que ensinaria o processo de “electro pintura” para adultos e crianças, aceitando “chamados para casas particulares”, com preços “ao alcance de todas as bolsas”. Como se vê, o fotógrafo não deixou de ser professor.[15]

Conforme uma nota publicada pelo redator d’A Razão, ele afirmou que viu no atelier de Flávio “ótimas fotografias de patrícias [estancianas]”. Ou seja, sugerindo que a clientela feminina frequentou com mais intensidade a oficina do fotógrafo baiano.[16] Outrossim, as famílias de Estância também foram convocadas a comparecerem “com a máxima brevidade possível” em seu atelier, porque ele pretendia se retirar brevemente da cidade.[17]

O fotógrafo de Canudos declarou ficar apenas de um a dois meses na Cidade Jardim, mas permaneceu por oito meses, entre fevereiro e outubro de 1910.[18] Ademais, ele sobrevivia de sua arte com afinco, pois anunciou ao público de Estância que atendia das 08 da manhã até as 17; ou seja, nove horas de dedicação e labuta, bem como para aproveitar a luz solar.[19]

Entretanto, o professor-fotógrafo também dedicava tempo à filantropia. No fim de abril de 1910, ele ajudou na quermesse para angariar fundos ao Asilo Santo Antônio de Estância, instituição que cuidava de idosos desamparados, fundada em 1907, e que sobrevivia sem subvenção do Estado, apenas da caridade pública.

Assim, Flávio de Barros retratou os “velhinhos” em frente do edifício e fotografou “vistas” da instituição.[20] Inclusive, uma das fotos foi enviada para a Revista O Malho, do Rio de Janeiro, em que aparece no centro de alguns circunstantes a Lira Carlos Gomes, de Estância, que havia abrilhantado com seu repertório aquela quermesse.[21]

Em agosto de 1910, o fotógrafo baiano trabalhou mais uma vez em benefício do Asilo Santo Antônio. Por esse motivo, o secretário e fundador da instituição, Augusto Gomes, agradeceu “ao ilustre professor Flávio de Barros pelo auxílio valioso e espontâneo que prestou”.[22]

No início de outubro de 1910, o fotógrafo se despede dos estancianos através de uma nota no jornal de seu amigo Augusto Gomes, para o qual Flávio de Barros trabalhara por caridade. Na nota de despedida, Flávio escrevera que seu reconhecimento seria “imorredouro” pela hospitalidade e obséquios recebidos em Estância.[23]

Mas onde o fotógrafo de Canudos teria se hospedado por oitos meses na Cidade Jardim? Uma hipótese é que ele tenha ficado na empresa de Miguel Rocha, que também era “hábil fotógrafo” e proprietário da Fundição Esperança em Estância. Ou por outra, ele teria se hospedado na casa do jornalista e benemérito Augusto Gomes. Pois o fotógrafo baiano não anunciou no jornal endereço de meios de hospedagem na cidade (hotel ou pensão), certamente instalando seu atelier na casa de algum amigo.[24]

Após despedir-se de Estância, Flávio rumou para a capital de Sergipe.

3.2 Em Aracaju

No início de outubro de 1910, o fotógrafo baiano desembarcou em Aracaju. Assim como o fez em Estância, ele logo visitou a redação de um jornal para divulgar seus serviços. Compareceu então na redação do Correio de Aracaju, informando que abriria “em breve” seu atelier na cidade.[25]

Neste sentido, em meado de outubro, Flávio já estava com estúdio montado na rua de São Cristóvão, centro de Aracaju, atendendo das 03 às 05 da tarde. Era a metade do tempo de trabalho dedicado em Estância. Talvez, o horário oposto nesse atelier deveria estar ocupado por outro profissional da fotografia. Pois vimos que na rua de São Cristóvão, nesse período, trabalhavam dois fotógrafos: José Pinto Basto [sic] e Oséas dos Santos (1865-1949); este último era artista plástico e professor de pintura na Bahia, mas nascido em Maruim-SE, também recém-chegado de Salvador. Possivelmente, um deles dividira atelier com Flávio de Barros.[26]

Instalado na cidade, o fotógrafo baiano planejou fazer uma exposição em Aracaju, em janeiro de 1911. Para isso, ele reduziu os preços de seus retratos, além de preparar o trabalho dos amadores, oferecendo “câmara escura, reveladores, fixadores, reforçadores, etc”. Porém, não sabemos se seu plano de expor suas fotos fora realizado ou se apenas fora uma estratégia de vendas.[27]

Por fim, temos mais um mistério na vida do fotógrafo de Canudos: não encontramos, até então, sua data de saída de Aracaju. E as fontes indicam que ele veio sozinho a Sergipe. Contudo, vimos que Flávio de Barros retornou do “Norte” (Alagoas), pelo navio Marahú, no dia 11 de julho de 1911, mas não descobrimos o seu destino. Certamente a Bahia, ponto final da embarcação.[28]

Mesmo assim, o mistério sobre a vida do fotógrafo continua: a última informação que apuramos sobre ele é de abril de 1915, quatro anos após passar de navio por Sergipe, quando Augusto Flávio de Barros esteve na redação do jornal A Notícia, de Salvador, para divulgar seu Álbum Comercial, Agrícola, Industrial e Artístico, que estaria organizando “nas suas oficinas em São Paulo”.[29]

Ou seja, será que o fotógrafo de Canudos, que visitou Sergipe por quase um ano, viveu e morreu na capital paulista? Esta questão é mais um desafio para pesquisadores desse enigmático personagem da História da Fotografia Brasileira.

Referências:

[1] ANDRADE, Jairo de Araújo. Fotografia: aspectos da evolução em Sergipe. Aracaju: Ótica Santana, 1989. p. 15; VIANA, Sayonara (Org.). Retratos e paisagens afetivas de Sergipe. Aracaju: J. Andrade, 2021. p. 42-87.

[2] Anais da Assembleia Legislativa Provincial da Bahia. [Salvador]: Typographia do Diário da Bahia, 1880. p. 31 e 36.

[3] Anais da Assembleia Legislativa Provincial da Bahia. [Salvador]: Typographia do Diário da Bahia, 1878. p. 07.

[4] Anais da Assembleia Legislativa Provincial da Bahia. [Salvador]: Typographia do Diário da Bahia, 1886. p. 137.

[5] Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 31 de agosto de 1897, nº 243, p. 01; Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1897, nº 286, p. 01.

[6] WANDERLEY, Andrea. Guerra de Canudos pelo fotógrafo Flavio de Barros. Disponível em: <https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?p=3002>. Acesso em: 07/01/2025.

[7] ZILLY, Berthold. Flávio de Barros, o ilustre cronista anônimo da guerra de Canudos. Estudos Avançados. São Paulo, Brasil, v. 13, nº 36, p. 105–113, 1999. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9478. Acesso em: 7 jan. 2025.

[8] O Paiz. Rio de Janeiro, 27 de outubro de 1897, nº 4.772, p. 01; Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 27 de outubro de 1897, nº 300, p. 01.

[9] Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1897, nº 303, p. 01.

[10] Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 24 de dezembro de 1897, nº 358, p. 04; Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 24 de dezembro de 1897, nº 356, p. 08; Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 29 de janeiro de 1898, nº 29, p. 04.

[11] O Paiz. Rio de Janeiro, 04 de fevereiro de 1898, nº 4.871, p. 06; O Paiz. Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 1898, nº 4.887, p. 02.

[12] Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 1898, nº 56, p. 02.

[13] REIS, Antônio Alexandre Borges dos (Org.). Almanak do Estado da Bahia. Salvador: Reis & Cia. 1903, p. 511; Revista do Brasil. Bahia, 01 de julho de 1907, nº 01, p. 35; FATH, Telma Cristina Damasceno Silva. A fotografia artística na Bahia e sua inserção nos salões oficiais de arte. Salvador-BA: UFBA (Escola de Belas Artes), 2009. p. 40. (Dissertação de Mestrado em Artes Visuais).

[14] Jornal de Notícias. Salvador, 27 de setembro de 1898, nº 5.615, p. 03.

[15] A Razão. Estância-SE, 06 de fevereiro de 1910, nº 05, p. 02-03; A Razão. Estância-SE, 13 de fevereiro de 1910, nº 06, p. 04; A Razão. Estância-SE, 27 de fevereiro de 1910, nº 08, p. 04; A Razão. Estância-SE, 20 de março de 1910, nº 11, p. 04; A Razão. Estância-SE, 27 de março de 1910, nº 12, p. 04; A Razão. Estância-SE, de 03 de abril de 1910, nº 13, p. 03. Renaldo Ribeiro Rocha no artigo “Um breve histórico da fotografia em Aracaju”, publicado em 2014, no IV Congresso Sergipano de História, anotou a passagem de Flávio de Barros por Estância e Aracaju como fotógrafo itinerante. Salvo engano, esse foi o primeiro texto a apontar a presença do fotógrafo de Canudos em Sergipe.

[16] A Razão. Estância-SE, 20 de fevereiro de 1910, nº 07, p. 04.

[17] A Razão. Estância-SE, 10 de abril de 1910, nº 14, p. 04.

[18] A Razão. Estância-SE, 24 de abril de 1910, nº 16, p. 04.

[19] A Razão. Estância-SE, 01 de maio de 1910, nº 17, p. 01. A Razão. Estância-SE, 15 de maio de 1910, nº 19, p. 04.

[20] A Razão. Estância-SE, 29 de maio de 1910, nº 21, p. 02.

[21] O Malho. Rio de Janeiro, ano IX, nº 404, 11 de junho de 1910, p. 40.

[22] A Razão. Estância-SE, 04 de setembro de 1910, nº 34, p. 05.

[23] A Razão. Estância-SE, 25 de setembro de 1910, nº 37, p. 03.

[24] A Razão. Estância-SE, 18 de abril de 1909, nº 16, p. 01; A Razão. Estância-SE, 16 de outubro de 1910, nº 40, p. 04.

[25] Correio de Aracaju, 12 de outubro de 1910, nº 466, p. 03.

[26] O Estado de Sergipe. Aracaju, 29 de dezembro de 1910, nº 3.454, p. 04; Correio de Aracaju, 27 de janeiro 1911, nº 508, p. 03.

[27] Correio de Aracaju, 06 de novembro de 1910, nº 477, p. 03; Correio de Aracaju, 25 de novembro de 1910, nº 485, p. 04.

[28] Diário da Manhã. Aracaju, 12 de julho de 1911, nº 121, p. 03.

[29] A Notícia. Bahia, 23 de abril de 1915, nº 177, p. 02.

* Amâncio Cardoso, historiador

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