Neurologista de Sergipe orienta como se prevenir da doença de Alzheimer
Amanda Araújo mostra o que pode funcionar num cenário mundial de saúde já preocupante Cotidiano | Por Monica Pinto 29/09/2024 17h02Está terminando o mês de setembro, dedicado mundialmente à conscientização quanto à doença de Alzheimer. Os desafios inerentes à essa realidade estão, porém, longe de ter um fim. Ao contrário, a perspectiva é que se ampliem, a partir do envelhecimento da população. Um estudo recente feito no âmbito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) detectou que ao menos 1,76 milhão de brasileiros com mais de 60 anos vivem com alguma forma de demência e estima que 70% desse universo sequer disponha de um diagnóstico preciso. A previsão é que se chegue a 2,78 milhões de brasileiros com demência no final desta década e a 5,5 milhões em 2050.
Mais de 50 milhões de pessoas vivem com algum tipo de demência no mundo, estima a Organização Mundial de Saúde (OMS). A entidade projeta que se chegue à marca de 150 milhões em 2050.
Para entender a complexidade desse problema que transcende a esfera da saúde pública, para alcançar questões de cunho econômico e social, F5 News conversou com a neurologista Amanda Azevedo Neves Araújo. Ela atua no Hospital São Lucas, em Aracaju, e é preceptora de Neurologia do internato de medicina da Universidade Tiradentes (Unit). Previamente, foi neurologista do Hospital da Restauração de Recife (PE) e médica plantonista da UTI do Hospital São Luiz - Rede D’Or Morumbi, em São Paulo (SP).
A médica esclarece que se faz um uso indevido do termo Mal de Alzheimer, quando o mais adequado seria Doença de Alzheimer. Segundo ela, a classificação como “mal” carrega em si um peso estigmatizante e deve, portanto, ser evitado. Confira a entrevista.
F5 News - O Alzheimer é associado ao envelhecimento, mas muitos idosos(as) não o enfrentam. Que fatores contribuem para os livrar da doença?Amanda Azevedo Neves Araújo - Em relação aos fatores de risco para a doença, sabemos que a idade e a genética são dois fatores que não são passíveis de intervenção. Desta forma, quanto maior a idade, maior sim o risco de desenvolver a doença.
Fatores genéticos também podem aumentar o risco de surgimento dos sintomas, no entanto existem hoje sabidamente fatores de risco que podem ser evitados e que juntos seriam capazes de reduzir em até 45% a chance de desenvolver a doença. São eles: baixa escolaridade, colesterol LDL alto, depressão, diabetes, sedentarismo, tabagismo, etilismo, hipertensão arterial sistêmica, obesidade, depressão, perda auditiva, perda visual, trauma craniano, isolamento social, poluição do ar.
F5 News - Em que nível fatores genéticos contribuem para o problema, ou ele se deve mais aos hábitos de vida?
Amanda - Mais de 95% dos casos de doença de Alzheimer são de início tardio, isto é, início dos sintomas após 65 anos e de causa esporádica, portanto mais relacionados a hábitos de vida do que a uma mutação genética específica. No entanto, uma pequena parcela de pacientes pode desenvolver os sintomas de forma mais precoce. Neste grupo de pacientes, com a forma pré-senil da doença, até 15% dos casos pode ter uma causa genética determinante, com herança autossômica dominante.
F5 News - A perda de memória é considerada um dos primeiros sintomas de Alzheimer, o que gera muita preocupação por vezes equivocada. Quais são os sintomas que, de fato, prenunciam o risco de a pessoa estar com a doença?
Amanda - De fato, a perda de memória é sim um sintoma inicial da doença e deve ser adequadamente investigada. Não podemos negligenciar as queixas de esquecimento na pessoa idosa, tampouco atribuí-las a algo que seja próprio do envelhecimento.
No entanto, é importante ressaltar que, muitas vezes, as pessoas descrevem episódios de esquecimento que, na verdade, são decorrentes de um prejuízo na atenção e não causados por uma perda de memória em si.
Atualmente, com uma vida mais corrida e com múltiplos estímulos decorrentes de celular, televisão, computador e afins, não é raro que as pessoas acabem sendo bombardeadas por muitas informações simultâneas e acabem perdendo o foco e a atenção na execução de alguma tarefa específica.
F5 News - No campo da prevenção, muito se fala sobre exercícios mentais como fatores que podem retardar, ou até mesmo evitar o surgimento da doença. Em que medida isso é realidade? Quais exercícios mentais são comprovadamente os mais eficazes?
Amanda - As atividades que levam a estímulo na cognição são, sim, muito importantes tanto na prevenção do surgimento dos sintomas, como também na reabilitação daqueles que já possuem o diagnóstico da doença.
Algumas vezes, identificamos pessoas que possuem um prejuízo leve de memória que antecede o início da demência, sendo fundamental que intervenções sejam feitas para retardar ou até impedir a piora desse quadro. Entre essas intervenções, estão os estímulos cognitivos que podem ser guiados por especialistas na área, como os terapeutas ocupacionais.
Sabe-se também que há benefício em estimular atividades como aprender a tocar um instrumento musical e também aprender a falar um novo idioma.
F5 News - O exercício físico também é apontado como um fator de proteção contra o Alzheimer. Quais são os mais recomendados com esse objetivo?
Amanda - A luta contra o sedentarismo é uma aliada na prevenção da demência. Não há um exercício físico específico que comprovadamente seja superior a outro. Sabe-se que, quando se fala de atividade física, é fundamental que haja compromisso com a sua realização. Não adianta ir dia sim, semana não.
Desta forma, escolher uma atividade com a qual você tenha maior afinidade aumenta as chances de que ela seja mantida no longo prazo. É importante ressaltar o papel dos profissionais de educação física para orientar o treino de acordo com as aptidões e limitações de cada um, sendo essencial que haja realização tanto de exercícios aeróbicos, quanto de exercícios anaeróbicos.
Os exercícios em grupo, por sua vez, podem atuar na prevenção de dois fatores de risco, tirando o indivíduo não só do sedentarismo, como também do isolamento social.
F5 News - Existe uma dieta preventiva no caminho de evitar a doença? Que alimentos podem realmente contribuir?
Amanda - Ao longo dos últimos anos, estudos apontaram a dieta MIND, que une características da dieta do Mediterrâneo com fundamentos da dieta DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension) como uma intervenção nutricional eficaz para prevenção de demência. Essa dieta recomenda a ingestão de vegetais de folhas escuras, leguminosas, grãos integrais, oleaginosas, azeite de oliva, frutas vermelhas, peixes e aves. Por outro lado, recomenda-se evitar frituras, alimentos ultraprocessados, além de restringir a ingestão de carne vermelha.
Deste modo, não há um alimento em si que sozinho carregue o título de protetor, o ideal é que as pessoas estejam acompanhadas por um nutricionista para que seja elaborado um plano alimentar individualizado para as suas necessidades, e também adequado para a sua realidade financeira e a sua rotina.
Nesse ponto, assim como na recomendação de atividade física, a adesão às orientações dadas pelos nutricionistas é essencial. Não há espaço para dietas milagrosas que não conseguem ser sustentadas no longo prazo.
F5 News - O diagnóstico de Alzheimer em um ente querido gera sofrimento e preocupação naturais entre seus familiares. O Brasil tem políticas públicas que amparem essas pessoas, no caso de a família não dispor de recursos para a atenção necessária, por parte de cuidadores ou enfermagem e inclusive de vigilância?
Amanda - Em junho deste ano, foi sancionada no Senado a Lei 14.878/2024, que instituiu a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências.
Este é o primeiro passo para estruturar uma linha de cuidado direcionada para amparar essas famílias. Sabemos que a doença traz um impacto expressivo na rotina dos familiares, exigindo adaptações tendo em vista os elevados custos tanto financeiros quanto emocionais relacionados ao cuidado, além de muitas vezes culminar na saída de um dos familiares do mercado de trabalho pela necessidade de dedicação integral ao cuidado do familiar acometido, uma vez que este lentamente perde sua autonomia e passa a depender de auxílio mesmo para atividades básicas da vida diária, tais como alimentação e higiene pessoal.
Nos dias atuais, os familiares ainda carecem desse suporte, o que leva a uma grande sobrecarga do cuidador.