Cruzeiro malsucedido gera indenização de R$ 38,7 mil
Cotidiano 07/03/2012 15h33E.R.S., um empresário residente em Varginha, deve receber uma indenização das companhias responsáveis pela realização de um cruzeiro marítimo em razão das precárias condições de higiene no local e da baixa qualidade do serviço prestado. A 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) condenou as empresas Nascimento Turismo Ltda., a NT Agência de Viagens e Turismo Ltda., a Sun & Sea Internacional Viagens e Turismo Ltda., representante da Royal Caribbean no Brasil, e a Fellicity Viagens e Turismo, cujo nome fantasia é Mediterrâneo Turismo, ao pagamento de R$ 38.719,16 pelos danos morais e patrimoniais que a família de E. sofreu.
Em 2008, o empresário adquiriu para si, a esposa e um filho de quatro anos um pacote Splendour of the seas, com destino ao extremo sul do continente americano, por R$ 22.209,56, sendo o custo do trecho marítimo de R$ 18.379,16 e o do aéreo de R$ 3.830,40. Ele afirma que, na data de partida, em fevereiro daquele ano, estranhou o procedimento adotado no embarque dos mais de dois mil passageiros, que receberam um lenço de papel umedecido com desinfetante para higienização das mãos.
No decorrer do cruzeiro, E. percebeu que algumas dependências do navio, incluindo a área de recreação para crianças, estavam fechadas e tiveram a utilização proibida. Conversando com um companheiro de viagem, o empresário soube que o comandante do navio havia sido hospitalizado devido a uma virose. Pressionando a tripulação, os passageiros vieram a descobrir que na embarcação havia diversos focos de norovírus, agente infeccioso causador de problemas gastrointestinais e sintomas como diarreia, vômito e dores no corpo.
"Os diários de bordo distribuídos a nós alertam sobre o risco de contaminação e instruem o paciente a buscar o serviço médico para ser tratado gratuitamente. Ora, nenhuma pessoa em sã consciência se submeteria a passar as férias em local que ameaçasse sua saúde", declarou o consumidor. E. relatou que, além disso, sua família passou por constrangimentos quando seu filho, dentro do navio, contraiu piolhos. Mesmo depois de medicada, a criança foi impedida de entrar no parquinho improvisado.
Outros incidentes desagradáveis se seguiram: "Ficamos sob vento e chuva em Ushuaia (Argentina) e sofremos constante discriminação por sermos brasileiros; desembarcávamos nos portos antes do amanhecer, quando não havia comércio aberto e tínhamos de esperar na rua; ficamos, por quatro dias, sem acesso a atrações como academia, biblioteca, piscinas, solarium e playground por causa dos focos virais; os tripulantes se recusavam a nos dar informações e as refeições não puderam ser servidas na modalidade buffet", elencou. E. buscou a Justiça em março de 2008, solicitando o reembolso do valor pago, R$ 22.209,56, e indenização por danos morais.
Responsabilização
A Mediterrâneo Turismo Ltda. alegou que é mera agência de viagens, tendo-se limitado a intermediar a venda do pacote: "Fatos supostamente ocorridos em alto mar dentro de uma embarcação de propriedade particular de terceiros não são culpa nossa". Acrescentou que as medidas adotadas pelos tripulantes configuram "atos de padrão internacional de saúde e segurança, que não merecem contestação" e atribuiu a responsabilidade à Sun and Sea, representante da Royal Caribbean no Brasil, e à operadora Nascimento Turismo. Afirmou, ademais, que não se furtou a atender o cliente, que o surto de norovírus era um caso fortuito e de força maior e, declarando que o dano moral não ficou configurado, pediu a improcedência da ação.
A Nascimento Turismo também pediu que a causa fosse julgada improcedente. Argumentou, igualmente, que é agência de viagens, cabendo-lhe exclusivamente "organizar a viagem oferecendo serviços de hotéis e a parte aérea". De acordo com a empresa, o valor recebido foi de R$ 20.915,53, mas não deveria ser restituído, já que a família usufruiu efetivamente dos serviços prestados e não comprovou que foi infectada por vírus.
A Sun & Sea defendeu que o consumidor praticava litigância de má-fé, pois ignorou que as circunstâncias de contaminação por vírus e tempestades constituem caso fortuito pelo qual a empresa não tem responsabilidade e também porque apresentou ao juiz um dvd que não podia ser retirado da secretaria da 3ª Vara Cível de Varginha. A companhia alegou que a quantia total paga pelo empresário foi de R$ 21.465, dos quais devem ser deduzidos os R$ 3.284,85 do traslado aeroporto-hotel em Santiago e a hospedagem na mesma cidade, uma vez que o consumidor não se queixou deles. "Todos os outros serviços contratados foram fornecidos. Não é possível exigir a devolução integral do pagamento", declarou, acrescentando que o autor da ação não provou ter sido contaminado.
Responsabilidade solidária
Para a juíza Beatriz Silva Takamatsu, da 3ª Vara Cível de Varginha, "por qualquer ângulo que se examine a questão, o pedido é parcialmente procedente". Sendo assim, o pagamento da indenização recai sobre todos os réus, pois sua responsabilidade é solidária, não importando quem causou o dano, desde que a empresa participe de relação de consumo.
"Pelo depoimento do empresário e das testemunhas, nem de longe a viagem cumpriu o que prometia; pelo contrário, tornou-se um verdadeiro pesadelo", considerou, em dezembro de 2010. A magistrada listou como "suplícios" as restrições de circulação e de alimentação, a humilhação do filho pequeno, o fato de os passageiros terem sido submetidos a higienização com lenços e terem tido sua bagagem analisada com aparelhos de raios-X. "Sem dúvida, é extremamente aflitivo e gera intranquilidade estar exposto a contaminação por vírus, ainda mais num navio, onde não há a opção de deixar o local", concluiu. Takamatsu fixou indenização por danos morais de R$ 20 mil e ressarcimento do prejuízo material de R$ 18.379,16, correspondentes ao preço do cruzeiro marítimo.
A Mediterrâneo e a Nascimento Turismo recorreram. No TJMG, os desembargadores Nicolau Masselli (relator), Alberto Henrique (revisor) e Luiz Carlos Gomes da Mata (vogal) optaram por manter a decisão inalterada.
Para Masselli, embora alegassem que se tratava de caso fortuito e de força maior, as empresas não comprovaram que isso de fato havia acontecido; mais do que isso, elas não negaram a presença de vírus e piolhos nas dependências do navio.
"A insatisfação dos passageiros era tanta que chegaram a listar 22 problemas ocorridos no navio. É certo que a contratação de um cruzeiro marítimo internacional de valor expressivo, para um casal e uma criança, com a inclusão de vários serviços e passeios, e frustrada pela infecção de vírus e situação de risco vivenciada pelos consumidores, enseja dano moral passível de indenização", afirmou o relator, que foi seguido pelos desembargadores Alberto Henrique e Luiz Carlos Gomes da Mata.
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