90% das crianças que vivem em abrigos não estão disponíveis para adoção
Instituições não estão preparadas para lidar com as crianças. Cotidiano 28/08/2011 07h00Por Sílvio Oliveira
Adoção II - Enquanto a burocracia e os pré-requisitos dos adotantes impedem o bom andamento do processo, cerca de 90% das crianças abrigadas em instituições de acolhimento de Aracaju não estão disponíveis para adoção. Das mais de 90 crianças, apenas 10 estão aptas para serem adotadas e 80 delas continuam com algum vínculo familiar. São crianças e adolescentes na faixa etária de seis a 16 anos e possuem histórico de vulnerabilidade social.
São 12 instituições de acolhimento em Aracaju, sem contar com as do interior do Estado. Mesmo mantendo contato com a família, as instituições de acolhimento de Aracaju cumprem apenas o status de instituição e está longe de conceder carinho, amor e o mínimo legal previsto em lei.
Por serem vítimas de maus-tratos, negligência, pobreza extrema e envolvimento dos pais com álcool e drogas, os acolhidos necessitam, sobremaneira, de mais do que fornece o estado garantista de direitos, mesmo que a Constituição Federal seja clara ao prevalecer o princípio da dignidade humana numa balança em que a ponderação é a mola mestra.
Para se ter uma ideia, muitas crianças foram encontradas em estado de vulnerabilidade e o acolhimento em instituições não superara a falta da família. “Instituições de acolhimento não são famílias e jamais substituirá. Cumpre o papel enquanto instituição de acolhimento, no sentido de manter as necessidades. Nem de longe vai ser uma família”, enfatiza Sabrina Dantas, psicóloga e coordenadora do Núcleo Especial da 16ª Vara Cível de Aracaju.
Elenrose Paesante, também psicóloga, afirma que desde a época da faculdade as instituições cronificam, fato que ela também pôde comprovar como profissional dentro delas. “A Instituição não tem muito a oferecer com relação a algumas necessidades humanas, como por exemplo, o afeto”, cometa, mesmo assim, a especialista informa que não é porque elas estão em instituições que não irão desenvolver o afeto. “Poderá ter dificuldades sim, mas vai depender de como ela irá ressignificar o processo. Crianças abrigadas podem ser resilientes”, ressalta.
Para que exista uma situação inversa, ou seja, o retorno das crianças acolhidas ao lar, a prioridade das instituições é garantir que efetivamente a criança e o adolescente sejam reintegrados a família. Em segundo plano, deverá ser encaminhada para família substituta, com vistas a evitar a permanência prolongada em entidades de acolhimento, ou seja, a lei visa à otimização dos procedimentos de análise dos casos e, na hipótese de impossibilidade de retorno das crianças à família natural ou extensa, acelera a colocação em família substituta, mediante adoção, tutela ou guarda.
Minha casa, minha rua
Quando os laços familiares ficam enfraquecidos e o lar não é mais agradável ao corpo e a mente de uma criança, a rua passa a ser referência e abrigo de centenas delas.
A psicóloga Elenrose Paesante conta um fato curioso quando nos idos de 1996 trabalhou no SOS Criança (Fundação Renascer) atendendo a crianças vítimas de maus tratos e negligência, e também, com as meninas menores infratoras. “O SOS criança era ligado ao abrigo (CEU) que de CEU não tinha nada. A sensação que tinha era de que o abrigo em nada supria a falta dessas crianças. O abrigo oferecia alimentação e um lugar para dormir, mas não era nada prazeroso, nada despertava”, comenta.
Elenrose Paesante diz que ficava se perguntando o porquê de crianças fugirem das casas e dos abrigos em preferência das ruas: “Parece que nenhum dos dois oferece a elas o que de fato necessitam. Fogem de casa para escapar da violência doméstica (física ou psicológica), das condições precárias de vida, do trabalho infantil, fogem porque não se sentem acolhidas nos seus direitos, porque falta um lugar de importância no seio desta família. Não só as crianças como também os adolescentes. A partir do momento em que os laços familiares ficam enfraquecidos, passam a ter a rua como referência, como a grande mãe. É a rua que vai exercer a função de continência”.
Por conta disso, segundo ela, a referência de casa acaba e a criança passa a criar elos com a rua e nem a casa e nem o abrigo são os locais de acolhimento. A criança passa a ter dificuldades em se adaptar no abrigo por estar acostumada com a liberdade que a rua lhe proporciona.
Para a surpresa da especialista, um dia ela convidou uma das crianças para um final de semana na casa dela, tendo autorização da direção da instituição. Dentro da ótica dela, procurou suprir o que via como falta e oferecia a criança algumas vivências que acreditava ser boas (alimentação, lazer, conforto), mas a criança parecia não valorizar, dando pouca importância. Na semana seguinte fugiu do abrigo e aos poucos Elen Paesante percebeu que para a criança não importava nada daquilo. “Era importante pra mim, não para ele. Ele parecia está satisfeita com o que tinha”.
Aos poucos a psicóloga passou a explorar esse assunto entre as outras crianças e se surpreendeu com o que eles diziam. “A rua supre, nutre, alimenta a alma deles. Dormir em bancos de praças não parecia ruim, tinha um “Q” de satisfação. A rua se apresenta para eles dando a continência que a família não dar. Fugiam para estarem livres, soltos, a sensação de liberdade mesmo. A rua não impõe limites, o abrigo sim”.
E acrescenta: “Penso que é preciso garantir assistência a estas famílias, para que elas possam ter condições de cuidar dos seus filhos e suprir suas carências. Desta forma, poderemos evitar com que eles tenham o contato inicial com as ruas e, consequentemente, o gozo que esta grande mãe proporciona”.
Foto: César de Oliveira
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