Exclusivo: Baterista Guto Goffi comenta trajetória de 42 anos do Barão Vermelho
Ele classifica como “catártico” o show da sexta (1º) em Aracaju, no Projeto Verão Entretenimento | Por Monica Pinto 03/03/2024 18h00O carioca Guto Goffi, 62 anos, foi mais um dos jovens que, nos anos 70 e 80, embalaram as próprias vidas ao som do rock´n´roll, fosse pop, progressivo ou heavy. Isso inspirou-o a tornar-se baterista e criador da banda Barão Vermelho, cujo nascimento assina junto com o tecladista Maurício Barros. Leonino apaixonado pelo que faz, Guto surfou animado na efervescência do rock nacional que emergia, com o Barão antecedendo outros então iniciantes, como Titãs, Legião Urbana e Paralamas do Sucesso.
Na sexta-feira passada (1º), o Barão renovou e relembrou essa pulsação, subindo ao palco armado na praia de Atalaia, em Aracaju, dentro da programação do Projeto Verão, organizado pela Prefeitura da capital em parceria com o Governo do Estado.
“O show foi catártico, uma loucura, uma plateia muito grande, o astral dos organizadores também estava muito positivo”, disse nessa entrevista exclusiva ao F5 News, sem poupar elogios à produção da festa. “As turmas da Prefeitura e do Governo do Estado estavam empenhadas em fazer aquilo ser muito bacana, e foi um showzaço, tocamos uma hora e meia e a plateia cantou do início ao fim, teve solo de bateria, solo de guitarra, tudo que tem direito”, festeja.
Nessa entrevista ao F5 News, Guto Goffi comenta aspectos da sua trajetória como alguém que há mais de quatro décadas vive de música no Brasil – e bem.Um feito nada modesto, sobretudo num panorama de naufrágio de muitas bandas surgidas no mesmo período, porém de sucesso efêmero. Ele lembra o início do Barão, curiosamente gestado em um estabelecimento de ensino católico, conduzido por freiras – o Colégio da Imaculada Conceição, em Botafogo, no Rio de Janeiro.
Confira também um passeio pela carreira solo do baterista e compositor, e por atividades no campo social que vem desenvolvendo no mesmo grau de sucesso em que lida com baquetas e pedais. Confira:
F5 News - Como é que você começou a tocar bateria?
Guto Goffi - Eu era um adolescente bem agitadão. Na época do Colégio da Imaculada Conceição, eu e Mauricio, que éramos amigos ali de escola, começamos a ouvir várias bandas internacionais, gostar do Rick Wakeman, do Genesis, do Yes, várias coisas assim do rock, o próprio Queen. A gente começou a fazer uns ensaios na escola e entramos no universo da música ali.
Depois a gente procurou uma escola de música mesmo para ter uma orientação de professor, para começarmos a tocar de verdade, mas no espírito a gente já tocava desde o primeiro segundo.
F5 News – Como surgiu o Barão Vermelho?
Guto - A formação da banda foi em 1981 e a gente começou a produzir repertório para fazer um show. Esse show não aconteceu e a gente estava gostando dos encontros, começou a compor muitas músicas e a gente viu que ia ser difícil não levar aquilo adiante.
F5 News - Só tem você e o Maurício Barros da formação original, não é?
Guto - É, eu e Maurício somos os fundadores do Barão. Pouca gente sabe disso, porque começou comigo e com o Maurício, dessa época do Imaculada, e depois a gente assistiu o Queen no Morumbi em São Paulo em 1981, e a gente falou: “a gente tem que ter uma banda com cantor, vamos fazer uma banda”. Aí voltamos para o Rio e convidamos o Dé [Palmeira, baixista], foi o terceiro integrante a fazer parte da formação original; depois o (guitarrista Roberto} Frejat foi o quarto integrante e, por último, o Cazuza. Aí está como aquele quinteto que todo mundo conhece começou.
F5 News – Do alto dos seus mais de 40 anos vivendo de música no Brasil, que análise você faz do setor?
Guto – Quarenta anos é um tempo longo para você percorrer qualquer estrada, não só da música. A música ainda tem o lance dela ir mudando ao longo das décadas - as modas, o jeito de tocar, a música popular vai realmente se modificando ao longo dos anos. Então, eu ter conseguido passar esses 40 anos dentro da música realmente não foi fácil. Lógico que eu tive essa âncora, esse porto do Barão Vermelho, foi um grupo que fez carreira longa e conseguiu ir gravando os discos ao longo dos anos, construindo uma obra.
F5 News – De onde vieram as dificuldades?
Guto - O Barão sempre teve uma carreira de altos e baixos mesmo, momentos em que a gente esteve melhor no mercado e momentos que a gente esteve pior, mas tudo foi válido para conhecer o Brasil, conhecer a estrutura verdadeira do país. Uma estrutura que existia na época que a gente começou, de shows, e depois foi melhorando.
Com a realização do primeiro Rock In Rio, a estrada foi ficando mais profissional, mais estruturada mesmo, para você viver nela.
F5 News – Como foi, pessoalmente, essa caminhada?
Guto - Eu passei uns 25 anos da minha vida, os primeiros no Barão, dentro de um ônibus, ou de um avião, ou em um hotel, indo muito pouco em casa, trabalhando mesmo e vivendo para a música e para a estrada. Depois, a gente começou a ficar mais em casa um pouco.
Foi aí que, dentro da minha carreira musical, eu consegui ter um point no Rio de Janeiro, chamado Maracatu Brasil, que era um misto de escola de música com loja de música, com estúdio de ensaio e casa de eventos. Eu também fui muito feliz ali por 20 anos, praticando essas atividades todas dentro da música, aí já um pouco na parte de aulas e cursos, trazendo os mestres da cultura popular brasileira para ensinarem um pouco daquele batuque ali, genuíno nosso, para aquele povo ali de Laranjeiras, da Zona Sul carioca, pessoal da Gávea, Leblon, Ipanema. Foi uma escola muito prestigiada pelo povo da Zona Sul, a Maracatu Brasil.
F5 News – Qual o saldo desses 20 anos conduzindo a Maracatu Brasil?
Guto - Ali eu aprendi mais coisa além do meu universo musical, comecei a conviver com outros músicos muito mais de perto e também pude expandir a minha linguagem do rock, misturada a elementos brasileiros. Na verdade, o que me manteve vivo na música nesses 40 anos, eu acabei descobrindo que foi minha chama interna mesmo. Eu acho que cada músico tem uma fogueira dentro de si que depende de ele alimentar, deixar aquilo vivo, colocar combustível ali para você seguir, mas foi a luta normal mesmo, do dia a dia.
Fico contente de ter esse tempo todo perdurado dentro de um mercado super competitivo e difícil, mas eu estava realmente fazendo o que eu gostava, então ficou tudo mais fácil. Eu acho que é mais ou menos isso.
F5 News – Você tem uma vigorosa carreira solo como compositor. São quantos discos?
Guto - A partir de 2012, eu estava completando 50 anos, comecei a lançar alguns álbuns solos. Fiz o primeiro, Alimentar; depois fiz o Bem, em 2016; o C.A.O.S, em 2020, e o Respirar, em 2023. Depois lancei um outro disco, chamado Salve o ritmo, que é um projeto especial.
F5 News – Você já se envolveu com atividades de cunho social, como foi isso?
Guto - Nos tempos em que eu estive na Maracatu Brasil, na minha escola, fiquei dez anos dando aula em um projeto social na Maré, que é uma comunidade de risco no Rio de Janeiro. Foi uma experiência muito bacana ali, de lidar com os jovens de periferia e tentar passar um pouco do que a gente aprendeu nesses anos todos.
F5 News – Quais foram momentos entre os que mais te gratificaram nesses mais de 40 anos na música?
Guto – Um dos momentos mais bacanas na minha carreira foi quando o Barão fez 30 anos, a gente relançou o primeiro disco. E tinha uma música, que não entrou no primeiro disco porque o nome dela era Sorte e Azar. O nosso produtor, Ezequiel Neves, era totalmente contra ter uma palavra como “azar” dentro do disco, pra não atrapalhar os caminhos. Ele tirou a música do disco por esse motivo. Ela ficou 30 anos esquecida.
A gente pegou as fitas do primeiro disco para digitalizar e fazer uma remixagem, porque a gente achava que o som não tinha ficado tão legal. No estúdio, a gente pegou essa música – Sorte e Azar – e pegou a voz do Cazuza, gerou uma unidade de tempo ali para ela, que chamam de metrônomo, o clique – toc,toc,toc – e botou ele cantando: “tudo é questãaaaao de obedecer ao instinto”...
A voz dele corria, a gente recortava aquela frase, ou aquela palavra, botava ali no tempo. Fizemos a música inteira só com esse sinal de tempo batendo – toc, toc, toc – e ele cantando. Aí depois a gente gravou em cima. Foi uma coisa emocionante tocar em cima da voz de um amigo teu, que começou aquilo tudo contigo, 30 anos depois e ele já tendo morrido. Foi muito emocionante, bacana pra caramba.
Aí depois, nesse disco a gente pediu ao Caetano para fazer um texto sobre o que ele achava do Barão. Ele foi um dos primeiros artistas a falar sobre a gente. Aí ele escreveu que uma amiga dele pegou ele de carro, em São Paulo, pra dar uma volta e falou: “vou te mostrar um disco aqui” e colocou o disco do Barão. Ele ficou louco com aquilo e, no texto dele, ele fala uma coisa linda, que eu adorei: que tudo que estava por vir no rock dos anos 80, Ultraje a Rigor, os Paralamas do Sucesso, aí fala os nomes dos primeiros discos desses caras, os Titãs... Que tudo que estava por vir naquele rock dos anos 80 já estava encapsulado no primeiro disco do Barão Vermelho. Achei muito f* ele nos encher a bola a esse ponto. Dizer que ali já estava uma pedra fundamental da rebeldia que viria da nossa geração.
E ele faz uma coisa também pra gente, nos colocando como referências para quem sonha em viver de música no Brasil. O Caetano escreveu: “todo jovem que se move na música hoje no Brasil deve muito mais a Cazuza, Frejat, Dé, Guto Goffi e Maurício Barros do que pode imaginar”.
Nesta sexta-feira do show, 1º de março, Guto Goffi fez um convite especial, confira: