“Unicórnio africano” mostra que desconhecido não quer dizer inexistente
Confira a última matéria sobre coisas estranhíssimas, porém explicadas pela Ciência Cotidiano | Por Monica Pinto 25/05/2022 19h50 - Atualizado em 25/05/2022 19h50Como se viu nas duas primeiras reportagens dessa série, há explicações científicas para muitas descobertas que, sob uma ótica superficial, são capazes de ensejar teorias das mais fantasiosas – a exemplo da “estrada” nas profundezas do mar e também do “piso endiabrado”.
Porém, embora um razoável grau de ceticismo denote sensatez e discernimento, quando em excesso, ele também pode atestar dificuldade em romper com ideias preconcebidas – ou com certa dose de arrogância.
O psicólogo norte-americano Shawn Achor, autor do excelente livro “O jeito Harvard de ser feliz”, ilustra essa premissa com o exemplo do “unicórnio africano”. O termo foi cunhado por exploradores britânicos do Século XIX, ao encontrarem entalhes em pedra, do Egito antigo, mostrando uma criatura supostamente mítica, mistura de zebra e girafa.
No entanto, os nativos da bacia do Congo, país africano, insistiam que tinham visto um animal idêntico na floresta. “Mesmo sem a ajuda da genética moderna, os exploradores britânicos sabiam que isso era ridículo”, diz Shawn com sua sagacidade por vezes irônica.
Ele prossegue: “Em 1901, o intrépido sir Harry Johnston encontrou nativos pigmeus que haviam sido sequestrados por um explorador alemão. Consternado com a atrocidade, Johnston interveio, oferecendo um generoso pagamento pela libertação dos pigmeus. Gratos, os nativos libertos o presentearam com um couro e crânios que alegaram ser provenientes do lendário unicórnio africano. Como era de esperar, ele foi ridicularizado quando levou os presentes de volta à Europa”.
Menosprezado, Harry Johnston ouviu que a pele e os crânios não poderiam ser do chamado unicórnio africano, porque esse animal simplesmente não existia. De nada adiantou ele informar que os pigmeus tinham lhe mostrado pegadas do bicho. “A comunidade científica rejeitou suas alegações e passou anos discutindo sua sanidade mental”, relata Shawn Achor, também palestrante renomado.
Em 1918, um ocapi vivo – de fato uma mistura estética entre a girafa e a zebra, mas sem parentesco com a segunda – foi capturado na floresta do Congo e exibido na Europa. O animal “mítico” no passado existe em alguns zoológicos ao redor do mundo e, em 2020, o nascimento de um filhote, no de Londres, alimentou esperança na sobrevivência da espécie.
Outra boa notícia nesse sentido foi dada no último dia 18, em divulgação do Zoológico de Oklahoma, nos Estados Unidos. A postagem de uma emissora de rádio local confirma que está prenha a ocapi chamada de Kayin, que também nasceu no zoo. “A chegada do bebê marcará o primeiro nascimento de ocapi no zoológico desde 2015”, diz o comunicado abaixo. Em alguns meses, deve vir ao mundo a primeira cria de Kayin e o parceiro Bosomi.
The baby's arrival will mark the first okapi birth at the zoo since 2015. https://t.co/ViqG3S4EWL
— KRMGtulsa (@KRMGtulsa) May 19, 2022
Desde 2013, os ocapis vivem sob ameaça de extinção, tendo como inimigos o desmatamento de seu habitat, a ocupação de áreas protegidas e a procura por sua carne e pele.
Porém, a maior ameaça sobre a espécie é a mineração. Mais da metade do cobalto mundial, usado em baterias de lítio, é originária do Congo, gerando enorme impacto sobre o habitat de diversos animais no país, entre eles o ocapi. Os humanos também sofrem efeitos danosos: comunidades próximas às minas já apontaram contaminação de rios e do solo, inviabilizando suas fontes de alimento pela pesca e pela agricultura.
Voltando aos ocapis, a interferência predatória pode acabar com esses magníficos animais, arriscando que se tornem, outra vez, “inexistentes” - só que agora dentro da realidade.