Edson Arantes do Nascimento descansa, o Pelé é eterno!
Incomparável e Rei dentro dos gramados, fora dele figura de Pelé nunca foi plenamente entendida Blogs e Colunas | Esteves em Campo 30/12/2022 11h04 - Atualizado em 31/12/2022 08h42Edson Arantes do Nascimento descansa, o Pelé sempre será eterno. O homem se vai, a lenda permanece viva.
O maior esporte do mundo não poderia existir, da forma como é hoje, se não fosse por ele. É possível claramente afirmar que existe um mundo esportivo antes e depois do Rei. O feito que um franzino mineiro negro fez no mundo é quase incalculável. Se pensarmos que, anos antes de Pelé conquistar o mundo em 1958, o Brasil possuía uma legislação oficial esportiva que proibia a presença de jogadores de “cor” na seleção brasileira, compreendemos ainda mais o que ele precisou contornar para ser o maior de todos os tempos. Por volta dos anos 1920/30, para a Confederação Brasileira Desportiva, o maior problema da Seleção do Brasil eram seus jogadores negros.
Ironicamente, com um currículo de mais de mil gols, tricampeão do mundo com a seleção brasileira, bicampeão mundial de clubes, eleito jogador do século, além de feitos sociais que extrapolam as quatro linhas e que extrapolam essa coluna, um jogador negro retinto e brasileiro foi além e provou o contrário. A força, a qualidade e a técnica foram construídas a partir dos pés pretos.
Suas comemorações com socos no ar se eternizaram, e algo que sempre me chamou atenção quando via fotos e vídeos dessas comemorações era o punho semicerrado.
Se engana quem pensa que Pelé nunca sofreu racismo, que ele tenha superado isso através da farsante “democracia racial promovida pelo futebol”, ou ainda que ele nunca tenha se posicionado sobre causas sociais. Isso foi uma história contada e replicada pela mídia esportiva branca, que tinha pressupostos muito específicos de como deveria ser um jogador “ativista” ou “antirracista”.
As contradições e a própria humanidade de Pelé fora dos campos sempre foram questionadas, a exemplo de sua relação conturbada com a paternidade, uma suposta subserviência ao regime militar e a ausência de posicionamento político.
Meu ponto é: para o brasileiro branco médio, o Pelé humano nunca se encaixou nos “pré-conceitos” que eles tinham e têm de um homem negro. Inclusive a própria figura de “o maior de todos os tempos”, de Rei, causa um certo desconforto em tais pessoas. Dizer que Pelé era alienado é uma falácia. Obviamente, ele não se posicionava como um Reinaldo, mas existem exemplos claros de sua força e atitude em prol de causas sociais.
O discurso após seu milésimo gol coloca evidente que ele estava longe de ser alheio às mazelas sociais de seu contexto:
"Faço um apelo para que nunca se esqueçam das crianças pobres, dos necessitados e das casas de caridade. Vamos defender os pobres, vamos defender as criancinhas necessitadas", disse.
Ou, como reza a lenda, quando ele e o Santos pararam a guerra civil de Biafra, na Nigéria. Ou ainda, quando ele pousou na capa da Revista Placar com a camisa escrita: "Diretas já!"
Não dá para separar a imagem do Pelé mítico e maior de todos os tempos se não compreender suas próprias contradições humanas. Ele foi o primeiro dos primeiros e jamais irá morrer. Descansa o corpo, a matéria orgânica. Sempre sobreviverá o legado e sua importância ímpar para a história do futebol.
Acima de tudo, parafraseando Jorge Ben, Pelé mostrou que o negro pode ser lindo. Ser o maior, ser o melhor.
Jornalista formado pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Pesquisador em jornalismo esportivo e racismo. Professor da primeira disciplina focada em Jornalismo Esportivo do Departamento de Comunicação Social da UFS. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM-UFS) e membro da Rede Nordestina de Pesquisa em Mídia e Esporte (Reneme). Co-criador, produtor e comentarista do podcast 45 de Acréscimo, primeiro podcast jornalístico de futebol do estado de Sergipe. Repórter do portal F5 News.
Análises sobre futebol e outros esportes sem nunca deixar de lado a perspectiva social do mundo que os cerca. A coluna é sobre o campo de ação, não apenas dentro das quatro linhas. Seja para falar sobre o esporte (resultados, personagens, grandes jogos), seja para falar sobre a sociedade como todo. O esporte é uma importante lente para entender o mundo, você está disposto a estar em campo para perceber?
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