Diga uma coisa boa
Blogs e Colunas | Amanda Neuman 11/07/2021 12h30 - Atualizado em 12/07/2021 07h25Já fui do tipo que fala sem pensar. Fui demais e não me orgulho disso. Na adolescência, eu achava o máximo ser tão “sincera e verdadeira”. Pode enxergar minhas aspas gritando porque verdade e sinceridade não era aquilo. Eu, definitivamente, sou uma pessoa transparente. Carrego comigo expressões faciais e gestos que me entregam. Você lê na minha testa o que eu penso porque eu sou assim. E isso não é um defeito. O que me fez repensar toda a “verdade e sinceridade” – olha minhas aspas aí de novo! – da época da adolescência foi perceber que a transparência só servia quando eu não gostava de algo. Quando eu gostava, deixava por isso mesmo. Já percebeu que a maioria das pessoas que enaltecem a própria sinceridade são assim?
(E olha que nem vou entrar na questão de que, como mulheres, somos ensinadas – pela vida – que elogiar umas às outras é sinal de fraqueza. Isso aí é pauta pra depois.)
Anos atrás, fui convidada pra ser madrinha de casamento de um casal de amigos. Uma outra amiga também foi convidada pra ser madrinha. Ela, que tem um estilo bem diferente do meu e gosta de produzir as próprias roupas, me mandou no whatsapp a foto do vestido que escolheu pra usar. Ela mesma fez um vestido com um tecido que amava, mas que eu não usaria. A mensagem tão temida chegou: “Você gostou? Estou apaixonada pelo meu vestido, concluí a produção hoje depois de vários dias!”. Olhei pra tela do celular, dei zoom na foto, reparei no brilho do tecido e imaginei o sorriso de satisfação da minha amiga por ter conseguido concluir o trabalho. Respondi assim: “A cor é linda e o brilho vai ficar incrível nas fotos! Deve ter dado muito trabalho! Você é muito talentosa! Parabéns!”. Eu fui sincera. Muito. Em cada palavra do que eu disse havia verdade, mas eu pensei antes de dizer e refleti se dizer que eu não usaria valeria a pena quando, no fim das contas, não era eu que ia usar.
Diga uma coisa boa. Eu sei que você consegue. Parece que hoje em dia querem nos acostumar a sempre ter algo ruim a dizer aos outros e sobre os outros. Ser sincero não é isso. Ser verdadeiros nos torna capazes de buscar algo bom pra colocar em palavras.
Vou contar a você agora um medo que eu tenho: eu tenho medo de ser hipócrita.
Tenho medo demais de me tornar uma pessoa que fala uma coisa, mas faz outra totalmente diferente. Dou atenção minuciosa a tudo o que penso e digo porque não quero ser hipócrita. Não quero que minhas ações contrariem meu discurso. Quando minha amiga enviou a foto do vestido que eu nunca usaria (mas ela, sim) e reagi dessa forma, me senti realizada – ali, no meu whatsapp, sem ninguém saber. Porque ser sincera e verdadeira – agora sem as aspas, perceba – é uma postura genuína especialmente quando não tem plateia pra dar like e fazer repost dos nossos posicionamentos.
Nem preciso dizer que em alguns momentos não dá pra ser positivo. Amigos precisam de conselhos, situações ruins precisam ser criticadas e opiniões divergentes podem, sim, ser contestadas. Mas é claro que, se você leu até aqui, sabe que não é desses momentos que eu estou falando. Dizer coisas boas e ser agradável é um exercício diário num mundo com tanta grosseria e falta de tato nos relacionamentos. A gente precisa se adaptar a nossas decisões pessoais quando elas nos farão ser indivíduos melhores. Às vezes é mais fácil. Às vezes é mais difícil. Mas quando, assim como eu, você se encontrar em uma situação que pede verdade e sinceridade, pare e pense, mas diga uma coisa boa. Eu sei que você consegue.
Jornalista (UNIT) há 10 anos, mestra em Comunicação (UFS), doutoranda em Sociologia (UFS), pesquisadora na área de redes sociais e influenciadores digitais, e mentora de marketing para empreendedores e Influenciadores. Na internet, como mulher plus size que descobriu o amor próprio e auto estima além dos padrões, compartilha sua vida e vivências com outras mulheres e as encoraja a se amarem como são.
E-mail: amandaneuman.an@gmail.com
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