O cinza nosso de cada de dia | Clarisse de Almeida | F5 News - Sergipe Atualizado

O cinza nosso de cada de dia
Blogs e Colunas | Clarisse de Almeida 19/09/2017 14h32 - Atualizado em 22/09/2017 11h41

O movimento moderno na arquitetura, entre muitas premissas, coroando seu aspecto funcional, aboliu a cor. Em seu apogeu, entre as décadas de 1940 e 1970, usar uma simples almofada colorida era motivo para duras críticas. Adornos, texturas, cores e detalhes eram absolutamente proibidos. “Desperdício!”- diziam os teóricos.

Perfeitamente compreensível quando todos os recursos financeiros eram necessários para a reconstrução de uma Europa destruída pela guerra. Não havia tempo nem dinheiro para o “Belo”. Como dizia um dos ícones daquela Escola Moderna, o brilhante Le Corbusier, a arquitetura deveria ser vista como uma máquina de morar, cumprindo exclusivamente o propósito de abrigar as funções básicas do homem daquela era industrial, emoções eram luxo puro então.

Nesse ideário nasceram os primeiros grandes conjuntos habitacionais, puros, secos e cinzas, os quais nossa jovem sociedade promissora, cheia de oportunidades e absolutamente tropical, importa sem maiores questionamentos. Embora tivéssemos muito para comemorar, um espirito alegre e um ambiente natural exuberante, passamos a nos expressar através do cinza, do branco, do bege, as cores neutras, as cores do politicamente correto.

Aprendemos a ficar econômicos, e mesmo quando o Pós-Moderno, movimento subsequente, herói do fim do século XX, tenta resgatar esses valores personalísticos na produção de edifícios, usando profusamente a cor e os adornos simbólicos da história, acusamos em coro uníssono suas obras de exageradas e cafonas.

Há um pudor, quase temor, em se utilizar a cor. É como assumir uma atitude, um significado, requer segurança e determinação. É correr risco! Nós, arquitetos, não nos permitimos errar. Sonhamos em preto e branco.

Morremos de inveja quando chegam a nós imagens dos casarios multicoloridos de Santorini, na Grécia, e de alguma forma temos certeza que vivendo lá seriamos felizes. No entanto, por um breve momento, pois se acaso nossas lembranças se voltam para nossos conjuntos arquitetônicos similares; o Pelourinho de Salvador, a Piranhas Imperial em Alagoas, ou qualquer casario de nossos interiores, relacionamos as cores vivas e berrantes ao popular, ao simplório, ou no máximo a um produto turístico e nos refugiamos nos tons pastéis de uma burguesia equivocada que se esquece que a nobreza que querem aparentar sempre abusou das cores, como testificam os registros dos aposentos de Maria Antonieta, no Versalhes; os salōes do Palácio Real, em Madrid; o Palácio dos Médicis, em Florença, entre tantos outros.

O “popular”, como julgam muitos, se permite identificar através das cores. Suas casas rosas, azuis e amarelos estimulam e provocam sensações, revelam quem são seus donos e seus sentimentos. Seus detalhes ofuscantes em vermelhos, verdes, roxos, nos estimulam, agitam e trazem memórias, sem medo, sem pretensões.

Nossas cidades cada vez mais cinzas, onde em condomínios inteiros toda as casas ou prédios são em cores neutras, necessitam urgente de cor. Cor para nos lembrar de nossas humanidades, despertar nossas almas e nos sentirmos vivos. Sim, vivos!

E viva o vermelho, o azul, o lilás, o amarelo, o…


Palácio de inverno de San Petersburgo


Condomínio de casas brancas na Bahia


Cor no salão de jantar Palácio de Aim na Inglaterra

 

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Arquiteta e Urbanista pela FAUSS/RJ, especialista em Tecnologia Educacional pela UERJ e em Paisagismo pela UFLA/MG. Atua com ênfase em Desenho Urbano e Projetos de Edificação e Paisagismo. Leciona no curso de Arquitetura e Urbanismo da UNIT. Possui trabalhos reconhecidos nacionalmente e tem sido palestrante em variados eventos. É membro da equipe da Ágora Arquitetos.

E-mail: arqclarissedealmeida@gmail.com

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