Cidade para quem? | Clarisse de Almeida | F5 News - Sergipe Atualizado

Cidade para quem?
Parte I
Blogs e Colunas | Clarisse de Almeida 04/12/2017 13h55 - Atualizado em 04/12/2017 14h44

Muito se tem discutido os destinos das cidades no meio acadêmico e um pouco menos nos órgãos de gestão urbana. Excelente! Mas pensando bem, o caminho até “uma cidade para todos” é bem mais longo e árduo do que se possa imaginar. Até porque a noção geral é de que a cidade é terra de ninguém.

Raquel Rolnik, grande urbanista brasileira, afirma em seu discurso que “temos déficit de cidade”, e isso fica muito claro quando observamos o comportamento de nossa sociedade em relação aos espaços públicos e privados.

Sem querer entrar na seara do direito de propriedade, assunto polêmico, espinhoso e profundo demais para uma discussão superficial, podemos por enquanto observar o que se passa com o que é publico e com o que, embora seja “nosso”, tem um porcentual de responsabilidade na manutenção da saúde do espaço coletivo. Começando por estes últimos, me refiro a aqueles espaços que ainda que estejam dentro do nosso lote, nosso terreno, não estão disponíveis para serem edificados; regulamentados por leis muitas vezes ignoradas, devem vazios servir à cidade. São eles: os recuos obrigatórios, os afastamentos das divisas e as faixas “non edificandi”.

Traduzindo: recuos são faixas na testada, ou seja, na frente do lote, no limite do logradouro, que devem ficar livres; objetiva a possibilidade de um futuro alargamento da via em questão se necessário preservando a privacidade do imóvel, oferecer espaço que possa acolher copas de árvores que deveriam estar nas calçadas, a permissão aos raios solares de se projetarem nas vias públicas durante todo o dia, e a garantia de ampla perspectiva visual, tornando a massa construída leve e arejada. Suas dimensões variam de acordo com a largura da via, do bairro e da cidade.

Afastamentos: estes com medidas variando de acordo com o número de pavimentos que se pretende construir, visam garantir salubridade nas quadras edificadas, respeito ao direito do lote vizinho de receber sol e ventilação, assim como o nosso, e garantir a circulação de ar em todo o bairro.

Quem nunca ouviu dizer do calor absurdo que é provocado pelos prédios altos “colados” nas laterais dos lotes, aos seus vizinhos de fundos? Ou da escuridão e umidade que um paredão vizinho provocou na residência de alguém?

 E por fim, temos: áreas ou faixas “non aedificandi”, em latim como citadas na legislação, ou “não edificável” como seria mais fácil de entender. Estas podem existir em várias circunstâncias, ao redor de um lago ou de uma lagoa, na beira de um rio ou de um canal, na borda da praia, da mata ciliar, nas franjas de uma colina, na visada de uma paisagem especial etc. Podem variar de largura, mas invariavelmente são estabelecidas para preservar.

Preservar o que é de todos, mesmo estando no que é de alguém. O ambiente com suas complexas relações e agentes não discerne o que é publico do privado.  E cabe a nós, cidadãos, acolhermos as necessidades ambientais da nossa cidade para que todos possam usufruir dela.

Infelizmente a maioria não esta disposta a “perder nem um metro”. Na primeira oportunidade fazem aquelas famigeradas ampliações de suas casas até o muro, e se houver pouca vigilância, construirão até nas calçadas. Quantos “colam” suas casas nas quatro divisas e ainda abrem a “janelinha” em cobogós (elementos vazados) para o vizinho? A velha idéia de que “do meu muro para dentro mando eu”, pouco importa o que posso provocar ao outro.

Pare e dê uma olhada ao seu redor. Você é vítima de uma atitude egoísta destas? Ou inadvertidamente é o algoz de alguém? Não há gestão publica que consiga fiscalizar cada morador da cidade. Respeitar os vazios necessários em volta de nossas casas é tarefa individual, pelo coletivo. Questão de consciência!  Quando isto estiver sendo observado estaremos mais bem qualificados para falar do espaço público.

Sim, aquele que dele pensam como se pertencesse a ninguém. Mas que na verdade, pasmem, é de todos! Mas isso é assunto para outra ocasião, na Parte II de nossa reflexão. 

Mais Notícias de Clarisse de Almeida
Fotos da autora
19/09/2022  15h20 O estranho caso da pista exclusiva para ônibus onde não circulam ônibus
Fico pensando que o poder público deveria explicar esse fenômeno do urbanismo
Google Street View/Reprodução
14/08/2022  21h00 Mostra sabedoria, Aracaju!
Uma das últimas casas modernistas na capital corre risco de descaracterização
Imagem de vídeo do engenheiro Igor Faro
01/08/2022  22h38 Eterno enquanto durou
Vamos admirar elementos de composição urbana para manter viva a história
Bom senso, para que te quero?
22/07/2022  16h23 Bom senso, para que te quero?
Não precisava fazer, simultaneamente, obras nas duas pontes sobre o rio Poxim
A arte de arruinar uma vizinhança!
24/01/2022  11h25 A arte de arruinar uma vizinhança!
Que progresso é esse que torna piores os lugares que são por ele tocados?

Blogs e Colunas
Clarisse de Almeida
Clarisse de Almeida

Arquiteta e Urbanista pela FAUSS/RJ, especialista em Tecnologia Educacional pela UERJ e em Paisagismo pela UFLA/MG. Atua com ênfase em Desenho Urbano e Projetos de Edificação e Paisagismo. Leciona no curso de Arquitetura e Urbanismo da UNIT. Possui trabalhos reconhecidos nacionalmente e tem sido palestrante em variados eventos. É membro da equipe da Ágora Arquitetos.

E-mail: arqclarissedealmeida@gmail.com

O conteúdo e opiniões expressas neste espaço são de responsabilidade exclusiva do seu autor e não representam a opinião deste site.

F5 News Copyright © 2010-2024 F5 News - Sergipe Atualizado